Muitas empresas têm questionado se é permitido ou não o trabalho da mulher aos domingos no comércio varejista e de serviços, sediados em shopping centers, mesmo que haja previsão expressa na CCT – Convenção Coletiva de Trabalho ou em Acordo Coletivo de trabalho regulares.
A questão surge por conta do disposto no Art. 611-B da CLT, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017, que criou a reforma trabalhista do Governo Temer. Segundo alguns juristas, o dispositivo legal veda a celebração de convenções ou acordos coletivos de trabalho que versem sobre benefícios do repouso semanal remunerado e da proteção do mercado de trabalho da mulher, por entender que são direitos indisponíveis, mas sem tecer muita qualificação.
Muito embora, o Art. 611-B da CLT apenas vede a possibilidade de se firmar convenção ou acordo coletivo de trabalho, quando qualquer das trinta hipóteses de direitos trabalhistas, já consagrados no país, for uma delas de fato suprimida ou reduzida, juristas vêm se manifestando pela nulidade da cláusula na norma coletiva negociada como sendo uma supressão ou redução de direitos. Entretanto, a possibilidade de utilização de escala de revezamento, para descanso semanal aos domingos, de modo que, para cada dois domingos trabalhados, um deles seja destinado ao descanso semanal, previstas em muitas CCTs., não nos parecer suprimir ou reduzir direitos trabalhistas.
A interpretação equilibrada e justa para trabalhadores e empresas exige que se considere toda a legislação trabalhista em vigor e a sua evolução ao longo do tempo, bem como as novas formas de trabalho, rapidamente modificadas ao longo dos últimos anos.
É o que o artigo se propõe a fazer. O exame da questão será feito pela ótica do contador, que não é um operador do direito, mas tem a responsabilidade profissional de estudar, compreender e interpretar a legislação ex-ante facto. Isto significa orientar e indicar à empresa, bem antes do fato gerador do conflito, a melhor prática nas relações trabalhistas, com a necessária segurança jurídica, em cada caso. Já o profissional do direito, a quem o contador frequentemente se socorre, na condição de operador das leis, atua mais frequentemente nas questões ex-post facto. Porém, ambos têm um ponto incomum: o de ajudar as empresas a tomar as melhores decisões trabalhistas, com o menor risco possível, para com isso manter em patamares aceitáveis a segurança jurídica das medidas.
A CF/1988 estabelece, como norma tendente à melhoria dos direitos e da condição social do trabalhador, o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, conforme previsto em seu Art. 7º, inciso XV:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
(…)”. (grifamos).
Pelo dispositivo acima, a própria constituição reconhece a possibilidade de concessão de folga compensatória no decorrer da semana, em substituição ao domingo, tendo em vista a qualificação de que a condição de repouso semanal remunerado seja “preferencialmente aos domingos” (negritamos). Não se trata de uma regra obrigatória para que o descanso semanal seja exclusivamente aos domingos. A própria constituição faz uso do qualificativo “preferencialmente”, para assinalar que a garantia dos direitos trabalhistas já conquistados e a melhoria da condição social do trabalhador podem ser atendidas pela concessão do repouso semanal remunerado em outro dia da semana, se em razão da natureza e condições de trabalho não for possível a concessão aos domingos. Por isso existem as escalas de revezamento para muitas funções e profissões.
Esta flexibilidade se aplica, especialmente, nas atividades ininterruptas, como o trabalho em hospitais, vários estabelecimentos de saúde, em shopping centers etc., cujo funcionamento aos domingos atende ao interesse público local e social da comunidade, especialmente quando houver autorização da abertura do comércio aos domingos por lei municipal.
A própria lei federal nº 10.101/2000 estabelece, em seu Art. 6º, a autorização para o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, mas obriga que o descanso semanal remunerado coincida com pelo menos um domingo a cada três semanas de trabalho, no máximo, desde que respeitadas as normas de proteção do trabalho, conforme abaixo:
“Art. 6º Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007).
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007)”. (grifamos).
Este dispositivo legal permite o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, incluindo o varejista e o de serviços, desde que o funcionamento do comércio seja autorizado por legislação municipal, nos termos do Art. 30, I, da CF/1988. Estes últimos dispositivos da CF/1988 dão competência aos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local.
O parágrafo único impõe como regra obrigatória a do descanso semanal remunerado coincidente com pelo menos um domingo a cada período máximo de três semanas de trabalho, desde que respeitadas as normas de proteção do trabalho e outras estipuladas em negociação coletiva de trabalho. Ou seja, nas primeiras duas semanas, se trabalha aos domingos, com uma folga em outro dia da mesma semana e, na terceira semana, o domingo deverá ser, necessariamente, reservado para o descanso semanal remunerado. Esta posição vale para o trabalhado feminino e masculino.
Observem que esta posição se coaduna com o disposto no Art. 386 da CLT, nos seguintes termos a seguir:
“Art. 386 – Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.” .(grifamos).
Assim, quando houver trabalho aos domingos, o dispositivo legal fixa como diretriz a implantação de uma escala de revezamento quinzenal, que permita, preferencialmente, o repouso semanal aos domingos. Aqui não há a determinação obrigatória de repouso semanal exclusivamente aos domingos, apenas dispõe que seja organizada uma escala de revezamento, cuja construção favoreça (dê preferência a …) o trabalho aos domingos.
A regra do repouso semanal preferencialmente aos domingos tem origem na tradição católica da população brasileira e do respeito ao costume da presença da família às missas aos domingos, que transformou esse dia em dia de descanso e destinado ao convívio familiar e social. Mas, agora, com todas as mudanças do mundo do trabalho, se impõe novas diretrizes, tais como aquelas trazidas pela reforma trabalhista de 2017, onde se observa uma boa e saudável flexibilização das relações de trabalho.
Por outro lado, nem tudo denota ser um tapete de rosas ao longo do caminho. A própria lei que flexibilizou o mercado de trabalho (Lei nº 13.467/2017) impôs um risco adicional às empresas, na medida em que algumas previsões estipuladas em norma coletiva de trabalho possam ser anuladas. Trata-se do Art. 611-B da CLT, que torna objeto ilícito da convenção ou do acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução de qualquer um dos trinta benefícios já conquistados pela classe trabalhadora, previstos nos seus incisos, que se constituem mesmo em uma cláusula pétrea do direito do trabalho, que deve sim ser respeitada.
A propósito do nosso tema, vejam o que diz o referido Art. 611-B da CLT:
“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(…)
IX – repouso semanal remunerado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(…)
XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(…)”. (grifamos).
Primeiramente, a lista de direitos trabalhistas que tornam a CCT ou acordo coletivo de trabalho nulo é taxativa e não exemplificativa. Portanto, não comporta nenhum outro direito ou benefício além daqueles arrolados nos trinta incisos do referido dispositivo legal acima. Também não permite uma extrapolação ou alargamento de interpretação desses direitos que ultrapassem a redação literal de cada inciso.
Então, em relação ao trabalho feminino aos domingos, no comércio estabelecido em shopping centers, previstos em algumas CCTs. ou acordos coletivos de trabalho, só se tornaria objeto ilícito, e, por conseguinte, passível de nulidade da cláusula se houvesse previsão na norma coletiva em que as partes renunciassem ao direito indisponível do descanso semanal remunerado (inciso IX do Art. 611-B da CLT). Por outro lado, quanto ao disposto no inciso XV do mesmo artigo (proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei), a autorização para que a mulher possa trabalhar no comércio e serviços aos domingos, não nos parece uma violação da proteção do mercado de trabalho da mulher, nem mesmo a redução ou supressão dos incentivos de proteção ao trabalho feminino. A supressão ou redução da proteção do trabalho da mulher se daria, por exemplo, na hipótese de a mulher ser submetida aos domingos a um trabalho danoso ou impróprio para as colaboradoras do sexo feminino. Ora, isso já nem seria permitido para o trabalho nos dias normais da semana, além do que, o trabalho aos domingos é o mesmo que aquele prestado nos demais dias.
Ainda assim, é preciso qualificar a compreensão de que o inciso XV do mesmo artigo, ora comentado, fala em “proteção do mercado de trabalho da mulher …” (negritamos), o que é bem diferente de proteção do trabalho feminino no ambiente laboral. A proteção do mercado de trabalho para a mulher só estaria sendo suprimida ou reduzida se a cláusula da norma coletiva, por exemplo, autorizasse a substituição do trabalho feminino pelo masculino em áreas já consagradas ao trabalho feminino. Pelo exame destas CCTs não constam cláusulas desta natureza ou com esta intenção, mesmo que velada. Portanto, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, no mercado de trabalho, nos parece mantida nestes casos.
Mesmo que possa pairar alguma dúvida sobre a interpretação, neste contexto, do descanso semanal e proteção do trabalho da mulher, é interessante destacar que o parágrafo único do Art. 611-B da CLT prevê que “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”. (negritamos). Assim, o trabalho feminino aos domingos não atrai o descumprimento de normas de saúde ou segurança do trabalho, não podendo assim ser considerado quebra de direito indisponível para tornar nula a CCT ou o acordo coletivo de trabalho.
De todo modo, também é preciso pontuar que havendo escala de revezamento, quaisquer que sejam os dias de descanso, é preciso garantir que o descanso semanal não ultrapasse, em hipótese alguma, o sétimo dia de trabalho. É necessária que a escala assegure que após seis dias de trabalho, o dia imediatamente seguinte seja destinado obrigatoriamente ao descanso semanal do trabalhador, seja ele homem ou mulher.
No entanto, a questão sobre a interpretação do Art. 611-B da CLT não é ponto pacífico no direito do trabalho. Alguns juristas [1] discordam da posição acima. Entendem que o Art. 611-B da CLT veda a possibilidade pura e simples de o repouso semanal remunerado ser objeto de negociação coletiva de trabalho. Porém, não é isso o que consta da redação e nem o espírito do Art. 611-B da CLT.
O artigo foi inserido na CLT pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), dentro das diretrizes de flexibilização das regras trabalhistas, tendo em vista a nova dinâmica do mercado de trabalho, visando a redução de conflitos e criando o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado. Ora, havendo previsão em norma coletiva regular de regras que estipulem as compensações ou escala de revezamento para o trabalho no comércio e serviços aos domingos, entendemos que está em perfeita sintonia com a legislação trabalhista atualmente em vigor.
Quando a CCT ou o acordo coletivo de trabalho autoriza o trabalho aos domingos em shopping centers e fixa uma escala de revezamento com garantias ao descanso semanal aos domingos a cada dois domingos trabalhados, não se estão suprimindo direitos do trabalhador, porquanto o descanso semanal remunerado está sendo garantido. Assim, a norma coletiva não poderá ser considerada nula, especificamente por este motivo, sob o argumento de conter objeto ilícito de suprimir ou reduzir o direito ao repouso semanal remunerado. Não! Aqui está sendo religiosamente concedido o repouso semanal remunerado. Apenas não se está concedendo o descanso semanal exclusivamente aos domingos e, sim, a cada dois domingos trabalhados, o próximo será dedicado ao descanso remunerado da semana. Aliás, o termo “exclusivamente aos domingos” nem aparece em qualquer dispositivo legal sobre o tema ora tratado!
Neste caso, a norma coletiva deverá prever o pagamento do salário dobrado nos casos de os trabalhadores passarem a laborar durante três domingos consecutivos, como ocorrem no mês de dezembro no comércio e serviços de shopping centers.
Em relação à jurisprudência, as decisões de tribunais superiores do trabalho ainda são incipientes sobre o assunto, com poucas questões já pacificadas. Porém, a construção da tese do STF, que se tornou o Tema 1.046, com repercussão geral, no sentido de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis“ (grifamos) está sendo assimilada muito rapidamente pelas cortes superiores. Isto fica evidente em várias decisões proferidas nos últimos anos.
Para uma boa interpretação ex-ante facto pelo contador é importante levar em conta que, havendo cláusula de CCT ou de acordo coletivo de trabalho regular, que passe pelo teste dos 4 pontos do Tema nº 1.046 do STF, haverá boas chances de reconhecimento pela justiça do trabalho. São eles: (i) a cláusula deve significar uma adequação negociada entre os Sindicatos, para adaptação e funcionamento, num determinado momento dos negócios, daquele setor ou segmento econômico; (ii) podem até pactuar limitações ou supressões de direitos trabalhistas, sem necessariamente uma contrapartida de vantagens compensatórias; (iii) mas, esses direitos trabalhistas não podem ser aqueles considerados absolutamente indisponíveis, nos termos dos trinta incisos do Art. 611-B da CLT e, por último, (iv) mesmo que a cláusula possa ser questionada, ainda assim, o Supremo diz que ela é constitucional, para fins de acordos e convenções coletivas de trabalho.
Na pesquisa realizada, não encontramos nenhuma decisão oriunda de tribunais superiores, na vigência da nova reforma trabalhista, especificamente onde a autorização em norma coletiva possibilita o trabalho feminino aos domingos, mesmo com a obrigatoriedade de concessão do sagrado direito ao descanso semanal remunerado no dia imediatamente seguinte ao sexto dia de trabalho corrido, possa ser entendida como uma supressão ou redução de direitos indisponíveis do trabalhador ou trabalhadora, nos termos do Art. 611-B da CLT.
Em virtude de o repouso semanal aos domingos, por meio de escala de revezamento, como aqui discutido, apresenta risco de ser interpretado como cláusula de norma coletiva passível de nulidade, e, em razão de não se encontrar decisões de tribunais trabalhistas superiores especificas sobre o trabalho feminino aos domingos em shopping centers, na forma aqui requerida, estamos trazendo para comparação algumas posições favoráveis e outras, desfavoráveis presentes na atual jurisprudência que impliquem em afronta ou não ao Art. 611-B da CLT.
Dentro deste contexto, há várias decisões de tribunais superiores do trabalho, que tratam de cláusulas em normas coletivas, tais como, a) repouso semanal remunerado após o sétimo dia de trabalho; b) intervalo intrajornada; c) compensação em situações de atividade insalubre; d) parcelamento de verbas rescisórias e e) supressão ou redução de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, que parecem pacificar o tema objeto de disposição em norma coletiva de trabalho, no sentido apontado nas próprias ementas.
“AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA CONVENCIONAL. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. CONCESSÃO APÓS O SÉTIMO DIA DE TRABALHO CONSECUTIVO, SEM PAGAMENTO DA DOBRA. NULIDADE. A concessão do repouso semanal remunerado após o sétimo dia de trabalho e sem o pagamento em dobro, conforme autorizado na norma coletiva sub judice, consiste em evidente afronta ao art. 7º, XV, da CF e encontra óbice no artigo 611-B, IX, da CLT. Ação que se julga procedente.
(TRT-4 – AACC: 00201763220215040000, Data de Julgamento: 11/05/2022, Seção de Dissídios Coletivos)”. (grifamos).
Outro ponto que parece também pacificado é a possibilidade de a norma coletiva permitir a redução do intervalo intrajornada de 1 hora para 30 minutos. É o que se depreende da decisão abaixo. Temos aqui o prestígio ao tema nº 1.046, de repercussão geral, firmado pelo STF.
“INTERVALO INTRAJORNADA. FLEXIBILIZAÇÃO POR NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1.046 DE REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.046 de repercussão geral, no dia 02/06/2022, fixou tese jurídica no sentido de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis“. Por direitos absolutamente indisponíveis deve-se entender aqueles elencados no art. 7º da CRFB/1988 e no art. 611-B da CLT. Nessa linha de raciocínio, é válida cláusula coletiva que reduz o intervalo intrajornada mínimo legal de 1 (uma) hora para 30 (trinta) minutos. Superado o entendimento consubstanciado no item II da Súmula 437 do TST.
(TRT-12 – ROT: 00029791620125120046, Relator: ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO, 3ª Câmara – Data de publicação: 05/10/2022)”. (grifamos)
Dentro desta mesma linha, também merece destaque a decisão abaixo, que valida a previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho de cláusula de jornada compensatória em atividade insalubre, sem a necessidade de autorização de órgãos competentes em matéria de higiene do trabalho, firmando posição de que este não se constitui em direito indisponível do trabalhador, podendo então os Sindicatos firmarem norma coletiva.
“JORNADA COMPENSATÓRIA. ATIVIDADE INSALUBRE SEM A PRÉVIA LICENÇA (ART. 60 DA CLT). VALIDADE DE NORMA COLETIVA. TEMA 1046. A validade da jornada compensatória em atividade insalubre sem prévia licença das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho (art. 60 da CLT), prevista em acordo ou convenção coletiva, não desrespeita direitos absolutamente indisponíveis, sendo reconhecida sua validade por força do tema 1046 – RE/STF, com repercussão geral.
(TRT-4 – ROT: 00201057120195040009, Data de Julgamento: 09/11/2022, 5ª Turma)”. (grifamos).
Já em relação ao pagamento parcelado de verbas rescisórias, no período da pandemia da Covid 19, a decisão abaixo convalidou cláusula de negociação coletiva extraordinária, afirmando que a forma parcelada de pagamento não macula nenhum dos direitos trabalhistas elencados no Art. 611-B da CLT. Entretanto, a supressão ou redução do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço constitui, sim, objeto ilícito de CCT ou de acordo coletivo de trabalho. Portanto, cláusula de convenção que desobriga a empresa ao pagamento de aviso prévio é motivo para nulidade absoluta da cláusula.
“1. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EXPOSIÇÃO À RADIAÇÃO SOLAR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
(…)
PARCELADO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. MATÉRIA DE INDISPONIBILIDADE RELATIVA. Verificado que o parcelamento das verbas rescisórias foi objeto de negociação coletiva extraordinária decorrente do contexto pandêmico, a forma de pagamento negociada deve prevalecer sobre o legislado por ausência de óbice à transação, segundo rol taxativo constante do art. 611-B da CLT. Observado o pagamento realizado na forma prevista na Convenção Coletiva de Trabalho, mantém-se a decisão que indeferiu o pedido de pagamento da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT.
(…)
2. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO RECLAMADO. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. SUPRESSÃO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. DIREITO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. OBJETO ILÍCITO. Conforme previsto no inciso XVI do art. 611-B, da CLT, constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Portanto, a cláusula coletiva que desobriga a empresa ao pagamento do aviso prévio padece de nulidade absoluta, sendo devido o pagamento do valor do aviso prévio indenizado ao autor, conforme condenação proferida em sentença.
(…)
(TRT-7 – ROT: 00010833120205070034 CE, Relator: JOSE ANTONIO PARENTE DA SILVA, 3ª Turma, Data de Publicação: 12/04/2022)”. (grifamos).
Igualmente é possível encontrar algumas decisões nas quais há retirada ou redução de direitos trabalhistas, tais como, a) supressão da progressão da parcela de anuênio e b) turno ininterrupto de revezamento, mas que o TST não vê ofensa ao Art. 611-B da CLT, por não se constituírem em direitos indisponíveis.
Na decisão abaixo, mesmo com a supressão de progressão da parcela de anuênio, o próprio TST aceitou norma coletiva que estabeleceu a referida supressão, por não se constituir em direito indisponível. Assim, para o TST a medida não se constitui ofensa ao Art. 611-B da CLT.
“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCO DO BRASIL. ANUÊNIOS. SUPRESSÃO POR NORMA COLETIVA. TEMA Nº 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista.
(...)
Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCO DO BRASIL. ANUÊNIOS. SUPRESSÃO POR NORMA COLETIVA. TEMA Nº 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1121633/GO, fixou a tese vinculante da constitucionalidade das normas coletivas que afastam direitos trabalhistas, independentemente de vantagens compensatórias explícitas, desde que observados os direitos absolutamente indisponíveis. Na presente hipótese, a norma coletiva estabeleceu a supressão da progressão da parcela anuênio (SIC) [ … parcela de anuênio]. Tal previsão, não obstante ser rechaçada pela jurisprudência deste Tribunal Superior anterior à tese vinculante da Suprema Corte, não está circunscrita a direito absolutamente indisponível, tampouco constitui objeto ilícito, na esteira do rol do art. 611-B, da CLT, com redação conferida pela Lei nº 13.467/2017. Nesse sentir, não há como desprestigiar a autonomia da vontade coletiva das partes, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Tal como proferido, o acórdão regional está em sintonia com a recente decisão do excelso Supremo Tribunal Federal, não desafiando reforma. Intactos os dispositivos constitucionais e legais invocados. Recurso de revista não conhecido.
(TST – RR: 0001545-05.2017.5.10.0003, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 06/12/2023, 5ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023)”. (grifamos).
Por fim, em outra situação de supressão ou redução de direitos trabalhista, o TST admitiu como válida a norma coletiva que adota regime de turno ininterrupto de revezamento, como sendo matéria que não se enquadra na vedação à negociação coletiva.
“AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. REGIME EM TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DO TEMA 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. Em 02/06/2022, o STF pacificou a questão da autonomia negocial coletiva, fixando tese jurídica no Tema 1046 de sua Tabela de Repercussão Geral, (…)II. Logo, a regra geral é da validade das normas coletivas, ainda que pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, com exceção dos direitos absolutamente indisponíveis, assim entendidos aqueles infensos à negociação sindical, que encontram explicitação taxativa no rol do art. 611-B da CLT. III. Na hipótese, a adoção de regime em turno ininterrupto de revezamento é matéria que não se enquadra na vedação à negociação coletiva, nos termos da tese descrita no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral da Suprema Corte. IV. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos. V. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento.
(TST – Ag-RR: 00005350520155170001, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 27/06/2023, 4ª Turma, Data de Publicação: 30/06/2023)”. (grifamos).
Concluindo, a norma coletiva de trabalho que contiver cláusula autorizativa do trabalho feminino aos domingos, em estabelecimentos do comércio varejista e de serviços em shopping centers, desde que o funcionamento seja autorizado por lei municipal, deve prever compensações do descanso semanal remunerado do domingo em qualquer outro dia da semana, mas dentro do período dos sete dias. Deve ainda, a cada três semanas, no máximo, ser concedido obrigatoriamente um domingo, como dia de descanso semanal remunerado. Mesmo nos casos em que a CCT ou o acordo coletivo preveja para estes estabelecimentos, no mês de dezembro, o trabalho em três domingos seguidos por razões justificadas, em virtude das festas natalinas, o descanso semanal remunerado deverá, obrigatoriamente, ser concedido em outro dia da semana, mas imediatamente após o sexto dia de trabalho contínuo. Neste caso, basta construir uma escala de revezamento que contemple estas regras, para o cumprimento da legislação trabalhista.
Por último, infelizmente, mesmo ante toda as justificativas acima, a empresa terá ainda que conviver com o risco, mesmo que administrável, de ser questionada na justiça do trabalho e precisar responder à ação de pedido de nulidade de cláusula da CCT ou de acordo coletivo de trabalho que autorize a medida. Mas, se a posição acima servir de atenuante, a empresa terá os argumentos e considerações aqui expendidos para construir a sua defesa.
[1] Ver por ex., CALCINI, Ricardo e BOCCHI DE MORAES, Leandro. Validade da escala de trabalho 5×1 e o labor aos domingos. In: Consultor Jurídico: Revista Eletrônica, 17/08/2023. Disponível em: . Acesso em: 09 de maio. 2024.