O ano de 2023 revelou uma realidade desafiadora para empresas do setor de consumo e varejo, com ajustes contábeis que totalizaram impressionantes R$ 15,7 bilhões em perdas, um aumento significativo em comparação com os R$ 1,44 bilhão registrados em 2022.
Esse salto de 11 vezes, conforme revelado por um levantamento do Valor Econômico, reflete o impacto das mudanças econômicas e regulatórias sobre os ativos das empresas.
A justificativa para esses ajustes está no registro de ativos intangíveis no balanço patrimonial, onde o conceito de “goodwill” é aplicado.
O goodwill representa o ágio pago durante a aquisição de uma empresa, englobando ativos que não são facilmente quantificáveis, como marcas, reputação e propriedade intelectual.
Após a avaliação do valor justo dos ativos e passivos da empresa adquirida, negocia-se um “prêmio” a ser pago pela expectativa de geração de fluxo de caixa futuro.
Esse ágio é contabilizado no balanço da empresa compradora e é sujeito a testes de recuperabilidade, os quais avaliam se esses ativos ainda mantêm a capacidade de gerar valor.
Caso não se verifique essa capacidade, os ativos são ajustados para refletir a nova realidade. As grandes baixas registradas em 2023 indicam uma mudança negativa nesse cenário, especialmente para empresas do setor de consumo.
Entre os fatores que contribuíram para essa baixa estão a revisão das projeções de crescimento, a saída de investimentos e até mesmo alterações inesperadas nas regras tributárias.
Empresas como Alpargatas, Carrefour, Casino, Dia, Grupo Soma e Natura estão entre aquelas que contabilizaram baixas significativas em seus ativos.
Para realizar esses cálculos, levou-se em conta não apenas o valor dos ativos intangíveis, mas também o fechamento de lojas que estavam operando com prejuízo, com a possibilidade de venda dos pontos comerciais, devido à crise enfrentada pelo setor após 2021. Essas informações estão detalhadas nas notas das demonstrações financeiras.
Embora as empresas argumentem que tais ajustes não afetam diretamente o caixa, ou seja, não resultam em saída imediata de recursos, as baixas representam um sinal negativo para os negócios.
De acordo com a CEO da AGR Consultores, Ana Paula Tozzi, especializada no segmento de consumo e varejo, essas baixas alertam para possíveis decisões estratégicas equivocadas das empresas.
Impactos das perdas contábeis nas empresas
Entre as empresas do setor, os maiores ajustes devido a impairment em 2023 foram registrados pela Soma, totalizando R$ 2,95 bilhões, em decorrência de mudanças na Hering, e pela Alpargatas, com um total de R$ 1,56 bilhão.
A Natura também enfrentou uma desvalorização do ágio de R$ 663,9 milhões em 2023, relacionada à aquisição da Avon International em 2019, um negócio que já vinha apresentando perdas desde 2022.
A alta nas perdas impactou significativamente o balanço da Natura, resultando em um prejuízo líquido consolidado de R$ 2,6 bilhões no último trimestre. Isso levou a empresa a considerar a possibilidade de separar a Avon (incluindo seu braço internacional) da Natura Latam, conforme anunciado em fevereiro.
Embora as empresas destaquem que tais ajustes não afetam diretamente o caixa, consultores questionam esse ponto, destacando que os desembolsos para aquisições já foram realizados, muitas vezes com recursos de dívidas ou oferta de ações.
Além disso, houve casos em que os impactos do impairment foram superiores ao esperado, como ocorreu com a Soma, cujo ajuste anunciado foi quase o dobro do estimado pelo mercado.
Mudanças legislativas
As mudanças legislativas, como a alteração na metodologia de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) /Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) , também contribuíram para os ajustes.
Quando ocorre a alteração no cálculo e há uma redução no crédito da subvenção, isso resulta na diminuição da dedução do imposto de renda, impactando diretamente os lucros das empresas.
A questão é que a Soma depende significativamente desses benefícios para suas projeções futuras.
Além disso, a aprovação da reforma tributária também teve repercussões, conforme indicado pela Soma, que aponta para a extinção desse benefício fiscal a partir de 2033.
Em relação às perdas por impairment, a Soma teve que negociar com seus credores para evitar o vencimento antecipado de dívidas. A avaliação dos ativos da Hering pela empresa continua inalterada em termos operacionais.
No caso da Alpargatas, parte dos recursos provenientes de uma oferta de ações foi utilizada para a compra de ativos que agora estão sujeitos a impairment.
Consultadas pelo Valor, Dia, Natura e Carrefour optaram por não comentar, enquanto Alpargatas, Casino e Soma afirmaram que não têm mais informações a acrescentar além do que foi publicado.
Com informações adaptadas do Valor Econômico