O orçamento público constitui um ato de previsão de receita e fixação da despesa para um determinado período de tempo, onde o Poder Legislativo autoriza o Executivo a realização de despesas ao longo de um exercício.
Desta forma é Lei em sentido formal e instrumento de planejamento, execução e controle das finanças públicas, por meio do qual o governo dirige a utilização dos recursos totais da economia, incluindo a oferta de bens públicos criando incentivos para desenvolver setores ou regiões, ajusta a distribuição da renda das pessoas e empresas combatendo desequilíbrios regionais e sociais, além de buscar a estabilização econômica.
Lei orçamentária
Já se passaram cem dias do ano de 2021 e até o presente momento a Lei Orçamentária Anual – LOA não foi aprovada. Embora o Congresso Nacional tenha concluído a votação 25/3/2021, com 84 dias de atraso, o projeto ainda não foi sancionado pelo Presidente da República.
O atraso da aprovação da LOA não é atípico, não devendo ser atribuído a situação excepcional motivada pela Pandemia, a qual deveria ter ensejado a aprovação no prazo estabelecido pela Constituição Federal, para não inviabilizar as ações governamentais adotadas no enfrentamento deste grave problema.
A Constituição Federal estabelece que o orçamento deve estar aprovado antes do início do exercício financeiro a que se refere (§ 2º do Art. 35 ADCT). Estabelece ainda que o Poder Executivo deve encaminhar o projeto de LOA até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro (31 de agosto), o qual deve ser analisado e aprovado até o encerramento da sessão legislativa (15 de dezembro).
Ao analisar as datas de aprovação de todos os orçamentos da União publicados após a promulgação da Constituição de 1988, verificamos que apenas nos exercícios de 1998 e 2009 os prazos foram cumpridos, todos os demais foram aprovados após o início do exercício financeiro, sendo que seis orçamentos foram aprovados com mais de 100 dias (19,35%), com destaque a LOA de 1994 aprovada com 313 dias de atraso; quatorze com atraso de até 30 dias (45,16%) e nove com atraso de até 100 dias (29,03%).
Embora fixe prazos para aprovação a Constituição não estabelece consequências no caso de descumprimento, tal como ocorre com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, norma que estabelece metas, prioridades, diretrizes de política fiscal e orienta a elaboração da lei orçamentária anual, onde nos termos do §2º do Art. 57 a sessão legislativa não poderá ser interrompida no mês de julho para o recesso parlamentar sem a sua aprovação.
Tal restrição embora expressa de forma clara não impede que a LDO seja aprovada fora do prazo. Observa-se em muitos anos os denominados “recessos brancos”, onde o congresso continua oficialmente a funcionar, mas não há sessões, assim nada é votado e deputados e senadores estão liberados para voltar às bases gozando o período de recesso indevidamente. Nos últimos dez anos todas as LDO foram aprovadas fora do prazo, sendo que quatro foram aprovadas antes do término do prazo para o envio da LOA e outras cinco foram aprovadas no mês de dezembro.
Analisando as datas de envio dos projetos de lei, tanto da LOA quanto da LDO, não se verifica atrasos significativos motivados pelo Poder Executivo, a quem cabe a elaboração do projeto e envio ao Poder Legislativo. As leis orçamentárias são de extrema importância e embora a discussão envolva temas complexos a exaustiva discussão deve preservar os prazos estabelecidos na constituição.
Prazos
A autorização prévia pelo Poder Legislativo constitui exigência necessária para a realização das despesas públicas, devem ser necessariamente analisados e aprovados, pois caso contrário ocorreria a interrupção dos serviços, ou então haveria a realização de despesas não autorizadas, constituindo ato de improbidade administrativa conforme previsto no Art. 10, IX da Lei 8.249/92.
Sendo o orçamento um ato autorizativo faz-se necessário envidar esforços para que os prazos estabelecidos sejam cumpridos, sob pena de prejudicar o planejamento e não manter de forma plena os serviços prestados pelo Estado.
O atraso na aprovação é motivado por uma disputa entre os Poderes Executivo e Legislativo no direcionamento dos escassos recursos públicos. No Congresso a análise se inicia na Comissão Mista de Orçamentos, formada por senadores e deputados para analisar a proposta e a sua formação é normalmente disputada.
Neste ano, houve significativo atraso por conta de uma disputa política entre o ex-presidente da Câmara e o atual, que brigavam pelo comando do grupo, chegando ao ponto de aprovar a LDO sem passar por esta comissão, algo que não acontecia há 21 anos, tendo ocorrido apenas outras duas vezes após Constituição de 1988, as LDO de 1992 e 1999. A demora na definição da comissão contribuiu muito para o atraso, mas este não foi o único motivo.
O excesso de gastos vinculados reduz a capacidade de aplicação de recursos, para atender aos novos programas de governo além de colaboras no prolongamento do debate. Na LOA de 2021 pouco mais de 2% dos recursos possibilitaram decisão de como serão aplicados. Somente os gastos previdenciários do INSS, servidores e militares consomem hoje mais de 50% das receitas da União.
Corte de despesas
Diante dessas dificuldades o projeto aprovado está sendo muito criticado por reduzir despesas obrigatórias a um patamar impraticável, contornando o teto de gastos, para acomodar as emendas parlamentares que foram elevadas para R$ 46 bilhões.
O Congresso ignorou gasto adicional de R$ 17,57 bilhões em relação à proposta de orçamento enviada em 2020, informada ao relator pela equipe do Ministério da Economia.
Cabe destacar que os parlamentares votaram um orçamento com despesas estimadas com base no valor do salário mínimo fixado em R$ 1.067,00, quando desde Jan este valor é de R$ 1.100,00. O mesmo ocorreu com a taxa de inflação, que fora estimada com base no INPC em 2,09%, quando na verdade ficou em 5,45%.
Entre os cortes nas despesas obrigatórias a maior foi nas despesas previdenciárias, reduzidas em R$13,5 bilhões, sendo que desse montante, R$ 4 bilhões estão condicionadas à aprovação de uma legislação, ainda não apresentada pelo governo, que altere as regras dos benefícios por incapacidade, transferindo a responsabilidade pelo pagamento às empresas, que poderiam compensar tais valores no montante devido da contribuição previdenciária, tal como já é feito em relação ao salário-maternidade.
Esta operação pode configurar burla ao teto de gastos, regra aprovada em 2016 e que estabelece que os gastos do governo até 2036 devem crescer de acordo com a inflação de um ano para o outro, uma vez que para efeitos de cálculo do crescimento das despesas, o governo precisaria retirar os gastos com o auxílio dos anos anteriores.
Foi ainda reduzido em R$ 7,4 bilhões a projeção do gasto com abono salarial, refletindo uma nova regra, aprovada pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que determina que o pagamento do benefício deve ser feito dentro do ano calendário de cada exercício, possibilitando a redução de tais despesas, o que para alguns especialistas em finanças públicas pode se configurar uma “pedalada fiscal”, termo utilizado para denominar operações orçamentárias que consistem em atrasar o seu reconhecimento com a intenção de aliviar a situação fiscal do governo em um determinado mês ou ano, ou seja, um adiamento artificial de despesas, que inclusive foi utilizado para o processo de afastamento da Presidenta Dilma Rousseff.
Contabilidade criativa
Por todas essas questões alguns meios de comunicação no intuito de criticar o orçamento aprovado atribuíram as manobras fiscais a denominação de “contabilidade criativa”, algo que não condiz com a prática contábil brasileira.
Cabe destacar que a Contabilidade não modifica atos e fatos, apenas atua em seu processo de reconhecimento e divulgação por meio das demonstrações contábeis que instrumentalizam o controle social.
Nas organizações públicas, apenas após a aprovação do orçamento se inicia o processo de reconhecimento contábil. Melhor seria denominar a peça como “fake budget”, “orçamento de fachada”, “peça de ficção” ou qualquer outra denominação que não deprecie a atuação dos profissionais de contabilidade, situação que motivou a produção de uma nota de esclarecimento pelo Conselho Federal de Contabilidade.
Neste cenário o projeto expôs o presidente da República a uma situação delicada. Caso sancione o projeto da LOA poderia o presidente incorrer em crime de responsabilidade, tendo em vista ter aprovado previsões fraudulentas de despesas.
Contudo, é possível corrigir este problema durante a execução orçamentária, assim a cobertura dos gastos obrigatórios subestimados no Orçamento vai demandar novos cortes das chamadas despesas discricionárias, que são aquelas voltadas ao funcionamento da máquina pública e investimentos.
Pode ainda o Poder Executivo enviar ao longo do exercício projetos de abertura de créditos adicionais, cancelando dotações para recompor as despesas obrigatórias. Por outro lado, se vetar o projeto da LOA, situação sem precedentes, poderá gerar uma crise com o Congresso. Eis o dilema, adequar a proposta da LOA de forma jurídica e política, não expondo o governo.
Mesmo que a LOA não seja aprovada, a administração pode continuar operando os serviços sob pena de deixar de atender a suas finalidades, situação que estamos atualmente vivenciando. A LDO 2021 autoriza a execução, a partir de 1º de janeiro, o gasto de até 1/12 por mês do Orçamento previsto pela LOA para cada área. Se a LDO não é aprovada, nem isso pode acontecer, e o governo fica impedido de fazer qualquer desembolso até que as leis fiquem prontas, portanto, o que paralisa a máquina é ficar sem a LDO.
Contudo a demora na votação do LOA impacta diretamente a atuação governamental, já que os já escassos investimentos previstos na LOA/2021 (R$63,3 milhões) não podem ser executados. O atraso na aprovação coloca-se em risco todo o funcionamento de ações de investimento destinados a obras e compra de equipamentos, gastos com manutenção de rodovias e demais obras de infraestrutura, e as próprias Emendas parlamentares, além de algumas ações sociais.
Diante do exposto o processo orçamentário deve ser conduzido com foco na satisfação dos interesses públicos, sendo essencial que especial atenção seja conferida pelos parlamentares e gestores públicos, e que haja efetivo controle por toda sociedade. Este importante instrumento é vital para o funcionamento da máquina administrativa, constituindo um mecanismo de planejamento e controle dos recursos públicos. Não basta editar leis com o objetivo de aperfeiçoar a forma como as fianças públicas são geridas, antes é necessário cumprir tais regras e prazos para não comprometer os serviços públicos.