Eu não conheço você. Também não conheço a empresa em que você trabalha. Mas eu posso arriscar dizer que comete esse erro.
Não, isso não é um jogo de adivinhação ou um daqueles títulos só para caçar cliques. É algo que nos meus anos prestando consultoria e dando cursos, sempre que eu explico, alguém surta com a célebre frase: mas eu trabalho há anos e sempre fiz assim.
A minha resposta não poderia ser outra. Pois é, então sempre fez errado.
Esse erro, aliás, é a representação clássica de um dos meus fundamentos na Contabilidade. Eu acredito piamente que antes de querer aprender a dar mortal pra trás, precisamos aprender a andar.
Parece óbvio, não é? Mas eu vou te mostrar as ciladas que se cai quando se negligencia o fundamental.
Vamos começar pelo princípio
A essa altura do campeonato, você já está sem paciência querendo saber que erro é esse, então vamos entender isso desde o princípio. E nesse caso, é o princípio contábil da competência.
A redação final da Resolução CFC 950/93 assim dizia, no caput do seu art. 9º:
O Princípio da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou pagamento.
Infelizmente esta Resolução centralizando os princípios contábeis foi revogada a partir de 2017 pelo Conselho Federal de Contabilidade. Eu não vou entrar aqui no mérito de se essa revogação foi boa ou se foi um desserviço à clareza desses princípios, mas para fins didáticos eu continuo usando ela. Isso porque a sua redação é extremamente clara, direta e transparente.
Note, a receita deve ser reconhecida quando auferida, independente do recebimento. Isso significa que ao prestar o serviço, ao auferir os juros, ao vender a coisa, ao auferir o aluguel, você deve reconhecer essa receita, mesmo que o recebimento seja previsto para data futura.
Ao mesmo tempo, o princípio da competência diz que a despesa deve ser reconhecida quando incorrida, independente do pagamento. Isso significa que ao comprar a coisa, ao ter um serviço tomado, ao incorrer com juros, ao ter uma despesa, você deve reconhecer tais despesas ainda que o pagamento disso só ocorra bem mais pra frente.
Se você está de braços cruzados e torcendo o nariz para eu usar uma Resolução revogada, eu vou atender você. E não me entenda mal, isso é importante, afinal a Resolução CFC 750/93 é ótima para fins didáticos, mas não pode ser oficialmente usada como base legal. Para isso, veja o item 1.17 do CPC 00, que trata da Estrutura Conceitual. É uma redação muito menos direta, mais enrolada, mas tem o mesmo propósito.
Ah, Caio… mas isso todo mundo sabe. Será mesmo? Aí é o princípio do erro.
Princípio da competência
Todos colocam essa célebre frase do princípio da competência em suas notas explicativas. Até naquelas mais sem vergonha, feitas a partir de copia/cola de modelinho tirado do google. O problema é que poucos efetivamente aplicam. E eu vou dar alguns exemplos claros disso. Responda com sinceridade:
Quando a empresa tributa pelo regime de caixa, você contabiliza a receita no mês em que presta o serviço ou no mês em que ele recebe?
Ao prestar o serviço (ou efetuar a venda), a receita é auferida pela transferência de controle do bem vendido, ou pela realização do serviço que foi combinado (cumprindo a obrigação de performance, pra quem é tarado em contabilês). Se você só reconhece a receita quando recebida, você está escriturando errado, em desacordo com o princípio da competência.
Quando a empresa tem um débito em atraso, você contabiliza as multas e juros de mora mês a mês ou só no mês em que ocorre o pagamento?
As multas e juros de mora são despesas financeiras que incorrem ao longo do tempo. As multas, diariamente, em regra 0,33% ao dia. Os juros, mensalmente, em regra pela Selic (mais 1% pelo mês do pagamento). Se você só reconhece essas despesas no mês do pagamento, está escriturando errado, praticamente fazendo Luca Pacioli se revirar no caixão.
Quando a empresa tem um crédito tributário de pagamento indevido ou a maior, por exemplo, você contabiliza as receitas de valoração pela Selic mês a mês ou só no mês em que faz a restituição/compensação?
A valoração pela Selic é um exemplo clássico de receita financeira, ou seja, o dinheiro ao longo do tempo. Ela é auferida mensalmente, em regra pela Selic. Se você só reconhece essa receita no mês em que usa o crédito tributário, está escriturando completamente errado, inclusive postergando indevidamente uma receita financeira… que dependendo do seu regime, deve ser tributada.
Erros contábeis
Se você faz tudo isso direito, meus parabéns! Pode-se considerar uma exceção à regra no mercado contábil atual. Mas se você comete esses deslizes, eu quero te dizer que tá tudo bem. Não que errar esteja tudo bem, mas que é um erro muito frequente, você não deve se sentir o “cocô do cavalo do bandido” por conta disso. O que eu lhe sugiro é parar um instante e pensar o seguinte.
Agora você já sabe. Uma vez que viu, não dá pra desver. Então cabe a você decidir o que fazer em relação a isso. Continuar levando o erro adiante ou usar isso para melhorar? Se você está no segundo grupo, que deseja melhorar, conte comigo. Bora crescer juntos!