Quem disse que a balança do poder nas relações de trabalho sempre pende para o lado do empregado? Com a figura do “hipersuficiente”, introduzida pela Lei nº 13.467/2017, o empregador passou a ter em mãos um trunfo inegável. Esses trabalhadores, que contam com ensino superior completo e salário mensal igual ou superior a duas vezes o teto do INSS (algo em torno de quatorze mil reais ou mais, dependendo do ano), ganharam força para negociar diretamente seu contrato de trabalho. Só que, nesse cenário, quem pode aproveitar de maneira ainda mais estratégica é a própria empresa.
Na prática, o artigo 444, parágrafo único, da CLT permite que o empregador ajuste com o hipersuficiente cláusulas especiais, sem tanta interferência sindical ou receio de anulação futura, já que a lei presume que esse profissional de alto nível não é um “hipossuficiente” comum. A liberdade contratual se amplia, abrindo caminho para ajustar jornada, remunerar de forma variável, definir metas de produtividade, estabelecer bonificações específicas ou até mesmo flexibilizar intervalos e férias. Tudo isso, claro, sem ferir direitos fundamentais indisponíveis, como FGTS, 13º salário e descanso semanal remunerado.
Imagine, por exemplo, poder negociar diretamente com um diretor ou gerente de projetos um banco de horas personalizado, que atenda às demandas da empresa e respeite as preferências do profissional, sem precisar passar pelo crivo de acordos coletivos. Para o empregador, as vantagens são óbvias: fica mais simples adaptar a carga horária às flutuações do mercado, criando um ambiente de trabalho que pode alavancar a produtividade. Se a ideia é atrelar recompensas ao desempenho, também é possível blindar a negociação no contrato, definindo critérios objetivos para bônus e participação nos lucros. Tudo bem às claras, reduzindo o risco de futuras reclamações trabalhistas que questionem a validade do que foi pactuado.
Claro que, para colher os frutos dessa autonomia, é preciso ficar de olho nos detalhes. Um contrato bem redigido, capaz de demonstrar a vontade real das partes, é essencial para afastar suspeitas de fraude ou coação. Afinal, mesmo que a lei reconheça a capacidade do hipersuficiente de negociar, eventuais abusos podem ser contestados. A boa-fé e a transparência na hora de formalizar cada cláusula são o escudo perfeito contra dores de cabeça na Justiça do Trabalho. Também é recomendável monitorar o valor atualizado do teto previdenciário, pois, se o salário do empregado cair abaixo do mínimo exigido, o status de hipersuficiente deixa de valer.
Mas não há como negar que essa nova dinâmica propicia uma vantagem competitiva para quem souber usá-la a seu favor. Em vez de submeter tudo a convenções coletivas engessadas, o empregador ganha margem para se ajustar à realidade do seu negócio. Nesse sentido, ter um profissional de alta qualificação pode trazer ainda mais flexibilidade, pois, além de pactuar questões de jornada e remuneração, também pode-se incorporar cláusulas de confidencialidade, propriedade intelectual e até restrições de concorrência, ajustadas exatamente ao perfil da função desempenhada.
O grande segredo aqui é que, embora pareça óbvio que o hipersuficiente seja o “forte” na relação, a lei acabou conferindo ao empregador a tranquilidade de negociar termos que antes seriam facilmente contestados. Vale lembrar que não se pode passar por cima de garantias básicas, mas, fora isso, há um campo fértil para arranjos vantajosos. Tudo dependerá de como o contrato é construído e do jogo de cintura para transformar essa prerrogativa legal em vantagem real na gestão de pessoas.
No fim das contas, o reconhecimento do hipersuficiente não é apenas uma novidade legislativa. É uma oportunidade concreta para as empresas moldarem relações de trabalho mais inteligentes, enxutas e alinhadas aos objetivos estratégicos. Quem explorar essa brecha pode reduzir passivos trabalhistas, motivar profissionais de ponta com ofertas personalizadas e manter um alto controle de produtividade. Sem dúvida, se houver planejamento e assessoria jurídica na hora de fechar esses contratos, o poder de decisão passa a ficar bem mais equilibrado – ou, por que não dizer, até mesmo inclinado em favor de quem emprega.