Glassdoor é obrigada a revelar usuários que criticaram empresa anonimamente

Glassdoor é obrigada a revelar usuários que criticaram empresa anonimamente

A Glassdoor, site de vagas e recrutamento que também é utilizado para trocar informações anônimas sobre experiências de funcionários e ex-funcionários sobre a empresa, foi obrigado a revelar a identidade dos usuários em processo judicial.

A empresa de recrutamentos se classifica como uma “comunidade de carreiras que depende da opinião de profissionais como você sobre as empresas”. A mensagem, que aparece logo que o usuário se cadastra na página, tem ainda um complemento: “É sigiloso e leva apenas um minuto”.

A Glassdoor defende que a quebra de sigilo está em “desconformidade com os precedentes” do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que barrou tentativas semelhantes de acesso a dados.

Contudo, segundo apuração da Folha, a Gradus Consultoria usou esses dados em pelo menos dois processos movidos por ex-funcionários contra a empresa.

Em um deles, a consultoria pediu a desqualificação de uma testemunha que, segundo seus advogados, era um ex-funcionário que, depois de mudar de emprego e passar a trabalhar para um concorrente, deixou avaliações negativas sobre a empresa no Glassdoor, o que a companhia considerou uma campanha difamatória.

No pedido de desqualificação, o ex-funcionário foi identificado por um email que não era o habitual, era usado apenas no registro de sua avaliação sobre a antiga empregadora. Foi quando ex-empregados souberam que seus comentários sigilosos não estavam protegidos.

Um deles percebeu, na mesma época, que seu comentário tinha sido excluído da página da empresa.

Ao questionar a plataforma, o time jurídico da Glassdoor respondeu: “Apesar de ter vencido a grande maioria de casos desse tipo no Brasil nos últimos anos, perdemos esse. Como você, estamos muito desapontados e compartilhamos da sua frustração com esse resultado”.

A defesa da Gradus diz que não pode se manifestar sobre o assunto, pois o processo tramitou em segredo de Justiça.

Quebra de sigilo

No recurso com o qual tentou reverter a abertura de dados, a Glassdoor defendeu que os comentários não eram de fato anônimos, por mais que não fossem identificados. Porém a revelação de nomes e outros dados cadastrais dependia das condições previstas no Marco Civil, algo que, para a empresa, não tinha sido demonstrado.

A empresa também defendeu que os comentários publicados nas páginas das empresas passam por uma equipe de moderação, que controla o conteúdo. Os comentários feitos por funcionários e ex-funcionários também podem ser respondidos pelas companhias.

Para a defesa da Glassdoor, não restam dúvidas de que se tratou de uma quebra de sigilo de dados que viola o Marco Civil da Internet.

Em outras ações que tramitaram no TJ/SP, a Glassdoor e a LoveMondays conseguiram barrar tentativas de acesso aos dados dos trabalhadores que compartilharam suas opiniões na rede.

Em um deles, uma instituição de ensino de Minas Gerais tentou identificar os autores dos comentários que considerou “ofensivos e proporcionais” e pediu indenização moral de R$ 10 mil.

A juíza Edna Kyoko Kano, da 18ª Vara Cívl de São Paulo, considerou que comentários como “ambiente de trabalho coercitivo”, “uma bagunça”, e “pessoas com caráter duvidoso” eram apenas críticas e expressão do pensamento.

Em outro, uma empresa do setor de infraestrutura tecnológica também não conseguiu derrubar os comentários de ex-funcionários e ex-estagiários.

“Compreende-se que a autora queira preservar sua imagem, porém se revela inafastável a liberdade de pensamento nas avaliações publicadas no sítio eletrônico da requerida”, escreveu o juiz Guilherme Fernandes Cruz Humberto, da 9ª Vara Cível de Campinas, na decisão que negou o pedido.

Para o juiz Paulo Henrique Ribeiro Garcia, da 1ª Vara Cível do Foro Regional XI de Pinheiros, o espaço para comentários era de “livre manifestação de pensamento”. Em decisão que negou o pedido feito por um laboratório, ele considerou que não havia requisitos legais para a quebra de sigilo de dados.

Insegurança jurídica

Para o advogado especialista em Proteção de Dados, José Renato Laranjeira, o caso da Glassdoor mostra como a Justiça vem sendo ambígua na esfera da proteção de dados. A entrega de nomes, e-mails e IPs é desproporcional e poderia ter ficado restrita aos dados de conexão, afirma.

O Marco Civil da Internet, de 2014, prevê o acesso aos registros de conexão ou de acesso, mas estabelece que o pedido deve demonstrar indícios de ilicitude, justificar a utilidade dos registros para investigação ou instrução e definir o período ao qual se referem.

A fragilidade em decisões como essa envolvendo a Glassdoor ocorre porque, segundo o especialista, o enquadramento desse indício de ilicitude não é tão simples.

“Quando a gente fala de uma empresa, não existe honra subjetiva, apenas a objetiva. E aí há necessidade de demonstração clara e objetiva de que a veiculação daquilo [os comentários] violou a honra objetiva dela, algo que é muito difícil”, afirma Laranjeira, que é também fundador do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet).

O advogado vê na decisão o risco de enfraquecimento desse tipo espaço de manifestação. O comentário sobre um empregador é feito num contexto de subordinação, no qual quem escreve está em situação mais frágil. O anonimato, nesse caso, protege esse lado mais frágil.

Com informações da Folha de S. Paulo

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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