É comum, em final de exercício financeiro ou em encerramento de mandatos, que a administração pública se depare com o pagamento de passivos trabalhistas, como férias vencidas e não usufruídas. Nestes casos, surge frequentemente a dúvida: há incidência de contribuição previdenciária patronal e do servidor sobre esses valores pagos em atraso e convertidos em pecúnia?
Este artigo aborda essa questão com base na legislação vigente e na decisão do Supremo Tribunal Federal, ilustrando com um caso prático ocorrido em uma prefeitura municipal, reforçando que a jurisprudência do STF não alterou a natureza indenizatória dessas verbas.
Caso Prático: pagamento de férias vencidas em encerramento de mandato
Durante análise técnica em processo interno, foi identificado que determinados servidores estavam com férias vencidas não usufruídas, acumuladas e quitadas integralmente em pecúnia, em razão do encerramento do mandato do gestor anterior.
A dúvida do setor de recursos humanos e contabilidade era se, em tais pagamentos, deveria ser realizada a retenção do INSS do servidor e a contribuição patronal, considerando que se tratava de valores elevados, acumulados ao longo de anos.
Análise técnica e base legal
- Conforme dispõe o artigo 137 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a não concessão de férias no prazo legal obriga o empregador a indenizar o empregado com o valor integral das férias vencidas, acrescido do terço constitucional.
- Tais verbas possuem natureza eminentemente indenizatória, por não representarem remuneração por trabalho prestado, mas sim compensação pela perda do direito ao descanso.
Nos termos do artigo 28, § 9º, alínea “d”, da Lei nº 8.212/1991:
> “d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas, inclusive o valor adicional constitucional de um terço.”
Esse entendimento foi reforçado pelo julgamento do Tema 985 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (RE 1.072.485/PR), julgado em 2020, em que se firmou a tese de que incide contribuição previdenciária apenas sobre o terço constitucional de férias gozadas, não alcançando as férias indenizadas nem o respectivo terço.
No próprio voto do relator, Ministro Marco Aurélio, restou claro que:
> “A exceção corre à conta do adicional relativo às férias indenizadas. Nesse sentido, presente a natureza indenizatória, há disposição legal expressa na primeira parte da alínea ‘d’ do § 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/1991.” (RE 1.072.485/PR)
Assim, mantém-se o entendimento de que:
- Sobre o valor principal das férias vencidas não usufruídas e convertidas em pecúnia: não incide contribuição previdenciária.
- Sobre o adicional de 1/3 dessas férias indenizadas: igualmente não incide contribuição previdenciária, conforme previsão expressa da Lei nº 8.212/1991 e conforme confirmado pelo STF no julgamento do Tema 985.
Conclusão prática
É fundamental que os setores de recursos humanos e contabilidade das prefeituras atentem-se a essa diferenciação, evitando retenções indevidas sobre férias vencidas e não usufruídas convertidas em pecúnia e seu respectivo terço constitucional, que permanecem com natureza indenizatória, isentas de contribuição previdenciária, conforme reafirmado pelo STF.
Referências legais
Constituição Federal, art. 195, I, “a”.
Lei nº 8.212/1991, art. 28, § 9º, “d”.
CLT, art. 137.
STF, Tema 985 da Repercussão Geral – RE 1.072.485/PR.