O governo publicou no Diário Oficial da União do dia 13/05/2021 a Lei 14.151/2021 determinando que, quando não for possível o trabalho a distância, durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Desde então diversos questionamentos a respeito da aplicação desta Lei surgiram.
Primeiro, devemos destacar que temos uma Lei cujo texto é extremamente curto, não trouxe qualquer detalhamento ou orientação no que tange a sua aplicação, apenas a determinação que entendo deve ser cumprida de forma imediata.
Sabemos que o país tem a triste marca de mais 400 mil mortes atribuídas à Covid-19, dessa forma acredito que não haja qualquer questionamento quanto a necessidade desta Lei, digo até que veio já um pouco tarde, mas como diz o velho ditado, “antes tarde do que nunca”.
De fato, devemos todos nos unir em prol da proteção de todos e todas que forem mais suscetíveis a complicações decorrentes da contaminação pelo novo coronavírus. Neste sentido as gestantes devem na medida do possível serem preservadas e protegidas.
Afastamento da gestante
O Projeto de Lei 3.932/20 que deu origem a Lei 14.151 foi de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), e foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 15 de abril.
A Lei prevê em seu Artigo 1º que a gestante deverá permanecer afastada durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus e em seu parágrafo único diz que a gestante ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Aqui cabe uma primeira reflexão sobre essa Lei, saúde pública é dever do Estado. E como nem todas as profissões possibilitam o trabalho remoto, e o texto da Lei, não traz nenhuma compensação, o que se dá aí é que o ônus que deveria ser público irá recair sobre o empregador privado.
Inúmeras são as atividades em que o trabalho fora das dependências da empresa, é impossível, neste caso para atender a Lei deveremos, então, afastar as gestantes.
Analisando o Artigo 1º da Lei devemos analisar um outro aspecto muito importante, até quando estaremos em estado de emergência de saúde pública?
Reparem que a Lei prevê o afastamento das gestantes, mas não temos um período determinado, ou seja, se temos uma gestante em início de gestação com um ou dois meses, entende-se que ela ficará afastada por toda a gestação, uma vez que, infelizmente não vemos em curto prazo indícios de que sairemos desta crise de saúde em tão pouco tempo.
E é exatamente estes casos, de gestantes, cuja atividade não permita o trabalho a distância, que estão deixando os profissionais e empregadores em dúvidas, como atender essa legislação, como afastar a gestante, sem causar prejuízo a sua remuneração?
Suspensão de contratos
Logo que a Lei foi publicada, a primeira opção que veio à mente de todos foi a suspensão do contrato nos moldes da Medida Provisória (MP) 1045/2021, publicada no Diário Oficial da União em 28 de Abril de 2021.
O que diz essa MP: essa Medida Provisória instituiu o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) no âmbito das relações de trabalho.
Dentre as medidas propostas, a MP trouxe a possibilidade da suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo de 120 dias. O texto prevê que o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até cento e vinte dias e que tal suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado.
Durante o período em que se mantiver suspenso o contrato de trabalho o empregado fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados, bem como receberá diretamente do governo o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Este benefício pode ser entendido como prestações mensais pagas pelo governo em substituição ao salário do empregado. Este benefício terá como base de cálculo o valor da parcela do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, conforme a legislação do seguro desemprego. Ou seja, mensalmente o trabalhador com contrato suspenso receberá diretamente do governo uma valor mensal em substituição ao seu salário.
Portanto, havendo a suspensão do contrato de trabalho fica o empregador desobrigado de pagar o salário ao empregado, mantendo apenas os demais benefícios como plano de saúde e cesta básica, por exemplo.
Em relação ao pagamento deste benefício a MP 1.045 traz apenas uma ressalva: a empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho pactuado. Neste caso, o governo pagará ao trabalhador como benefício emergencial setenta por cento do valor a que este teria direito de seguro desemprego e a empresa pagará uma ajuda compensatória de trinta por cento, tendo como base o salário contratual do trabalhador.
Cabe destacar que essa ajuda compensatória a ser paga pela empresa, traz como principais características o seguinte: terá natureza indenizatória; não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado; não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; não integrará a base de cálculo do valor dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; e ainda poderá ser considerada despesa operacional dedutível na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
Gestantes
Pois bem, estamos diante de uma situação perfeita para nos adequarmos a determinação da Lei 14.151/2021 e afastarmos todas as gestantes, basta então suspender o contrato de trabalho com base na MP 1.045/2021.
Isso foi o que muitos profissionais e empregadores pensaram, mas a resposta é NÃO. Não temos todos os nossos problemas resolvidos. Afirmo isso por um motivo muito simples: a Lei 14.151/2021 traz em seu texto que o afastamento da gestante deverá ocorrer sem prejuízo de sua remuneração.
Neste sentido o afastamento precisa garantir a gestante a manutenção da sua remuneração de forma integral.
Se o benefício emergencial que será pago pelo governo terá como base de cálculo o valor que a gestante teria direito, caso estivesse recebendo seguro desemprego, temos aqui uma importante análise a fazer, pois o seguro desemprego não reflete a integralidade da remuneração de um trabalhador. Em média o seguro desemprego representa sessenta por cento da remuneração do trabalhador. Logo, o benefício emergencial certamente será menor que o valor que a gestante tem de remuneração.
Em um exemplo, digamos que uma gestante tenha remuneração de R$1.250,00, em média receberia de seguro desemprego R$1.100,00 valor mínimo para 2021, logo, se uma gestante com essa remuneração venha a ser suspensa nos moldes da MP 1.045/2021 terá sua remuneração diminuída em aproximadamente R$150,00 ao mês.
A situação ainda fica mais complexa quando tratamos de uma empresa cuja receita bruta no ano de 2019 tenha sido superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), neste caso o governo irá pagar apenas setenta por cento do valor a que a gestante teria direito de seguro desemprego, cabendo a empresa complementar com uma ajuda compensatória de 30%, tendo como base o salário da gestante.
Aproveitando o exemplo supracitado, para uma gestante cuja remuneração seja R$1.250,00, receberia de Benefício Emergencial R$770,00 e uma ajuda compensatória de R$375,00 totalizando uma remuneração de R$1.145,00, novamente inferior à sua remuneração contratual, havendo neste caso uma redução de aproximadamente R$105,00 por mês.
Diante dos cálculos expostos resta claro que não se pode aplicar a suspensão do contrato nos moldes da MP 1.045/2021 em atendimento a Lei 14.151, pois é notório o prejuízo a remuneração da gestante o que é vedado pela legislação.
Diversos especialistas têm apresentado propostas de que as empresas apliquem a suspensão do contrato, nos moldes da MP 1.045/2021 e que complemente a remuneração através de ajuda compensatória. Neste entendimento eu destacaria os seguintes pontos: em primeiro lugar que a MP 1.045/2021 restringiu a ajuda compensatória para empresas cuja receita bruta no ano de 2019 tenha sido superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), além de caracterizar este valor como indenizatório, ou seja, sem reflexos em tributos como INSS e FGTS, podendo ainda as empresas enquadradas no Lucro Real fazerem uso destes valores como despesas dedutíveis.
Dessa forma entendo que uma empresa que não se enquadre, no faturamento superior a R$4.800,000,00, e venha pagar sua gestante qualquer valor a título de ajuda compensatória estará infringindo a MP 1.045/2021.
E ainda que a empresa tenha tido faturamento acima do exigido, entendo que a empresa ainda estará descumprindo a MP, uma vez que o texto limitou a ajuda compensatória em 30%, ou seja, se a empresa deixa de recolher INSS, FGTS e faça uso como despesa dedutível de valor superior ao permitido pela MP, estaria criando um passivo trabalhista e tributário.
MP 1.045/2021
Portanto, ainda que esta pareça uma saída, promover a suspensão e complementar a remuneração através de ajuda compensatória, entendo que a empresa estaria atendendo a Lei 14.151/2021, porém infringindo a MP 1.045/2021.
Por fim destaco ainda que nas suspensões de contratos os trabalhadores têm reflexos negativos em sua vida laboral como deixam de ter direito ao período em que suspenso estiveram, no 13º salário e nas férias, novamente havendo prejuízo a gestante.
Portanto, entendo que a MP 1.045/2021, definitivamente não poderá ser usada, pelo menos até que seja publicada orientação do governo neste sentido, para atendimento a determinação da Lei 14.151/2021.
Soluções
Como alternativas para atender o previsto temos a MP 1.046/2021 que traz ferramentas como: a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; e o banco de horas.
Em nenhuma dessas medidas temos possibilidades de prejuízos a remuneração da gestante.
Sabemos que tais ferramentas da MP 1.046/2021 são extremamente limitadas face a determinação do afastamento das gestantes por tempo, ainda não definido, por hora me parece ser o mais apropriado.
Temos especialistas propondo algumas alternativas, sempre envolvendo a suspensão do contrato nos moldes da MP 1.045/2021, como suspensão mais pagamento da diferença para que não haja redução da remuneração, entre outras variações.
De todo modo, qualquer alternativa envolvendo a suspensão proposta pela MP 1.045/2021 é necessário que o empregador tenha compreensão de que estará sujeito a eventuais reclamações trabalhista e/ou passivos tributários.
Estamos diante de uma Lei, que certamente é benéfica e necessária, mas sua simplicidade e objetividade faz com que ajustes no texto se tornem necessários. Até que sejam emitidas orientações pelo governo, as empresas precisam analisar a melhor alternativa para se fazer cumprir a determinação do governo.