Apesar da contabilidade ser reconhecida por fornecer uma visão precisa e transparente das transações financeiras de uma organização, nos últimos anos, um termo tem ganhado destaque nas discussões sobre práticas contábeis: a contabilidade criativa.
Essa expressão refere-se ao uso de métodos e técnicas não convencionais para apresentar informações financeiras de forma a otimizar os resultados aparentes da empresa.
Para o pesquisador associado da escola de negócios Insper, em São Paulo, e um dos maiores especialistas em contas públicas do país, Marcos Mendes, o governo federal dá sinais de que a “tentação para entrar nessa seara está de volta”.
Confira três medidas em que a contabilidade criativa está sendo aplicada.
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
O governo federal enviou ao Congresso Nacional uma proposta para remover do cálculo do déficit das empresas estatais o montante de R$ 5 bilhões.
Essa quantia seria direcionada para investimentos no recém-criado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A proposição foi inserida no âmbito do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
“Na prática, a LDO define uma meta para o déficit das estatais e outra para o Orçamento Fiscal. Se eu não bater a meta do déficit em um deles, posso compensar com os recursos do outro. O ponto é: quando você tira R$ 5 bilhões do déficit das estatais, pode aproveitar essa diferença para dizer que está cumprindo o déficit do Orçamento”, explica Mendes.
PIS/Pasep
Atualmente, existem R$ 26 bilhões retidos na conta do Programa de Integração Social (PIS) /Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), feitos por depósitos feitos por empregadores.
Essa reserva é direcionada anualmente para o pagamento do abono salarial a indivíduos que auferem até dois salários mínimos. Contudo, essa quantia tem permanecido inativa por um longo período, sem que qualquer empregado venha retirá-la. Por isso, surgiu a determinação de transferir esse valor para o Tesouro Nacional.
Contudo, segundo o professor, surge um impasse devido a inadequação desse procedimento de acordo com os padrões estatísticos internacionais, que o Banco Central (BC) segue.
“O governo não efetuou um aumento na arrecadação para a obtenção desse montante. Portanto, o correto seria registrar essa transferência como um ajuste patrimonial na contabilidade. Embora o valor possa ser direcionado para amortização da dívida pública, ele não deve ser considerado como receita primária no cálculo do déficit”, pontua Mendes.
Segundo ele, essa manobra acarretará, possivelmente, na apresentação de um déficit R$ 26 bilhões superior ao registrado pelo Tesouro.
Precatórios
Uma terceira medida está associada aos precatórios, que representam quantias determinadas por decisões judiciais a serem pagas por entidades governamentais.
O governo sempre honrou esses compromissos até que, em 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou o aumento considerável dessas despesas. Isso resultou na aprovação de duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), nomeadamente a PEC 113 e a PEC 114.
Na prática, essas PECs estabeleceram que tais dívidas somente seriam liquidadas em 2027, valendo-se de abordagens “criativas”.
“A realidade é que isso gerou um acúmulo de precatórios não quitados, um problema que o governo agora busca resolver, considerando essencialmente esse montante de precatórios como dívida pública. Isso teria o efeito de reclassificá-lo como despesa financeira em vez de despesa primária. Embora possa parecer um aspecto técnico, na prática, essa interpretação não afetaria o déficit público”, explica.
É importante ressaltar que um número significativo de precatórios tem origem como despesas primárias.
“No limite, com esse tipo de medida, o governo pode empurrar suas despesas com a barriga, deixar todo ano um monte de restos a pagar, e dizer que isso virou despesa financeira. Isso transformaria a contabilidade pública numa bagunça”, conclui.
Com informações adaptadas do Jornal Metrópoles