Iniciar um negócio novo é sempre um momento que gera grandes expectativas, ansiedade e esperança, haja vista a possibilidade de sucesso e realização de um sonho as vezes, há muitos anos perseguido.
Buscando minimizar os riscos de um novo empreendimento, muitas vezes, opta-se pela aquisição de uma franquia, ou seja, um negócio já experimentado, maturado, cuja fórmula, se reproduzida, eleva significativamente as possibilidades de êxito.
Com base nestas verdades, admite-se realizar investimentos além daqueles inerentes à instalação do negócio, bem como, concordar em pagar mensalmente um valor fixo ou calculado com base no faturamento, a título de Royalties, acreditando-se obter como retorno o Know-How e expertise suficientes a posicionar o negócio em condições de obtenção de lucros.
Desta forma, diversos empresários acabam por comprometer totalmente suas reservas financeiras e até mesmo contrair empréstimo acreditando-se no sucesso do negócio e retorno do investimento em um prazo previamente estimado.
Abrindo uma franquia
Naturalmente, antes de aderir ao negócio e comprometer-se financeiramente, o candidato a franqueado busca informações à despeito do tamanho do investimento, o prazo de retorno do capital e investido e as previsões de lucros a serem obtidos.
A franqueadora, por sua vez, já acostumada ao negócio e a comercializar outras unidades franqueadas, possui dados estatísticos reais e que lhe permite responder aos questionamentos dos novos pretendentes a franqueados com relativa facilidade.
Desta maneira, o candidato, com base nestas informações, adere ao negócio, efetua o pagamento da taxa de franquia, se compromete com outros valores mensalmente e para isso, muitas vezes, contrai empréstimos e financiamentos que serão utilizados para viabilizar o início da atividade.
Esta prática é de fato, o que permite que novas ideias e investimentos sejam postos em prática, gerando resultados financeiros ao empresário e ao investidor (que normalmente são os bancos), geram empregos, postos de trabalho e contribuem com entrega de um produto ou serviço de interesse coletivo.
Todavia, o risco que se pretendeu minimizar ao optar por aderir a uma franquia, pode ter efeito contrário, especialmente por meio de contratos de franquia elaborados com base em informações falsas e dados superestimados, divorciados da realidade.
Muitas franqueadoras, ávidas por novos clientes, acabam por omitir informações relevantes à despeito das expetativas do investimento, das taxas de insucesso de outros franqueados e do próprio Know-How.
Não é raro nos depararmos com marcas que comercializam unidades franqueadas sem terem conduzido ao sucesso uma única unidade própria e ainda assim se dizem aptas a entregarem um negócio, cuja fórmula de implementação, seria capaz de conduzir ao sucesso do empreendimento.
O resultado final, naturalmente, dependerá exclusivamente daquelas hipóteses inerentes a abertura de um negócio por conta própria, aos riscos da própria atividade, agravados pelos investimentos adicionais entregues a título de taxa de franquia, aquisição de matéria prima por preços elevados e royalties.
A expectativa inicial que objetivava minimizar os riscos da atividade por meio do Know-how adquirido é anulada ante a posterior constatação que o franqueador não detém tal expertise a ponto de melhorar a expectativa de sucesso do novo negócio.
Neste cenário, o franqueado percebe que foi induzido a aderir a um negócio em razão de informações equivocadas, distorcidas, omissas e forjadas.
POSSIBILIDADES JURÍDICAS
Resta-lhe, portanto, além de suportar as consequências do próprio insucesso do negócio, cumprir com as obrigações decorrentes dos empréstimos contraídos para implantação da atividade e pior, o cumprimento das cláusulas contratuais com a própria franqueadora, além de multas impostas em razão da o fechamento da atividade prematuramente.
Não raras vezes, ao pretender socorrer-se do judiciário, o franqueado encontra óbice no próprio contrato de franquia que, por meio de cláusula com eleição do juízo arbitral, dificulta e inviabiliza a propositura de ações na justiça comum.
As Câmaras Arbitrais eleitas, por sua vez, cobram verdadeira fortuna para interpretar e julgar contratos de franquia, impedindo o acesso do empresário já fragilizado pela própria atividade fracassada.
Felizmente, ainda que a intenção da franqueadora em obter lucro e blindar-se da atuação do poder judiciário por meio de cláusulas contratuais leoninas e eleição do juízo arbitral, a anulação do contrato de franquia e restituição de todos os valores pagos é possível por meio de teses jurídicas relevantes, já aceitas pelos tribunais estaduais e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça.
Observe este julgado:
“Ação declaratória de nulidade de contrato de franquia, com pedido de devolução de valores pagos, ajuizada por franqueada contra franqueadora. Ausência informação essencial na circular de oferta de franquia a respeito de antigo franqueado que atuou na mesma região da autora. Violação ao art. 3º, IX, da Lei 8.955/1994. Além disso, mesmo após a comunicação de sua existência, a franqueadora não repassou à autora os dados do ex-franqueado. Período de exploração do contrato de “franchising”, no caso três meses, que não é suficiente para configurar a convalidação do vício no contrato, ainda mais, consoante a prova dos autos, por ter a franqueada buscado, a todo tempo, receber a informação omitida. Reforma da sentença recorrida, condenada a franqueadora a devolver à franqueada os valores pagos pelo direito de exploração da franquia. Apelação a que se dá provimento. (TJ-SP – APL: 10351358120178260577 SP 1035135-81.2017.8.26.0577, Relator: Cesar Ciampolini, Data de Julgamento: 28/11/2018, 1ª Câmara”
Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 29/11/2018)
Conforme constatado no julgado acima, informações falsas, contraditórias e omissas constituem-se meio legítimo a declarar a nulidade do contrato de franquia, bem como, condenar a parte franqueadora a restituir as despesas do franqueado.
É que, além das normas especificadas na Lei de Franquias (8.955/94), as partes precisam observar os requisitos de validade do negócio jurídico previstos no Código Civil Brasileiro, especialmente a boa fé que deve ser elemento essencial de todo contrato.
Observe o que diz a e lei civil:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
- 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
III – corresponder à boa-fé;
IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável
V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Observe-se, portanto, os inúmeros motivos e razões pela qual um negócio jurídico pode ser anulado, incluindo neste o rol, o contrato de franquia firmado com base em dados de investimento, faturamento e retorno falsas.
ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL
E, sobre a cláusula de eleição do juízo arbitral, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando do julgamento do REsp 1602076, concluiu que o Contrato de Franquia é um Contrato de Adesão.
A ministra explicou que “o contrato de franquia é, inegavelmente, um contrato de adesão”, e que todos os contratos de adesão, “mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96” (Lei de Arbitragem).
Este dispositivo estabelece “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.” O que é inexistente no caso dos autos.
Desta maneira, tratando-se de contrato de adesão, deve ser observada a formalidade do artigo 4º, par. 2º, da Lei 9.307/96, que prevê: “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.
Desta forma, não estando a cláusula de eleição do juízo arbitral revestida de tais formalidades, naturalmente, sua eficácia é nula de pleno direito.
Ainda assim, mesmo que prevaleça a cláusula de eleição do juízo arbitral, ainda assim é possível o amparo do poder judiciário para fazer cessar os efeitos do contrato de franquia, impedindo a cobrança de valores e multas por parte da franqueadora.
É que a própria lei que institui a arbitragem autoriza a intervenção do poder judiciário, mesmo que a cláusula que elege o juízo arbitral seja válida, para o fim de adotar-se medidas de urgência.
A reforma da lei da arbitragem, em 2015, criou capítulo próprio para tratar das Tutelas Cautelares e de Urgência e implementou o entendimento adotado pelo STJ, expandindo-o também para medidas de urgência. Veja-se o novo regramento:
Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência
Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.
Sobre o tema, segundo o festejado doutrinador Cahali[1], há peculiaridade no procedimento a ser observada:
Os autos da tutela de urgência preparatória terão um rumo diverso daquele usual previsto nas suas regras de regência; não se fará unificação; inexistirá o aditamento ou complementação para neles se abranger o pedido final de mérito, pois a tutela definitiva é direcionada, com procedimento próprio, ao juízo arbitral.
Concedida a tutela pelo juízo estatal, a parte terá 30 dias para requerer a instituição do procedimento arbitral, sob pena de cessar a eficácia da medida. Instituído o tribunal arbitral, este deverá proceder com a reapreciação da decisão concessiva, resolvendo por sua manutenção, revogação ou modificação. A jurisdição restituída ao juízo estatal é, portanto, precária e limitada. Precária por ser restrita a situações de urgência – enquanto durar o periculum in mora – e limitada por estar reservado ao árbitro o juízo de mérito.
CONCLUSÕES
Demonstrando a parte prejudicada pelo contrato viciado a existência, ainda que por indícios, de informações falsas e o iminente risco de dano decorrente a execução do contrato, independentemente da validade da cláusula de eleição do juízo arbitral, é possível buscar socorro junto ao poder judiciário para obtenção de uma liminar que suspenda os efeitos do contrato de franquia a ser discutido na justiça eleita.
Desta maneira, a conclusão pela qual chegamos é que, se acaso a unidade franqueada adquirida caminhe para o insucesso e constatada a inexistência de informações relevantes sobre o negócio, criação de falsas expectativas quanto ao faturamento, tempo de retorno e lucratividade ou mesmo falhas na transmissão do know-how para implementação e gestão do negócio, é possível obter judicialmente a declaração de nulidade do contrato de franquia, bem como, obter a restituição dos valores dispendidos.
[1] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 296-297
Fonte: Wander Barbosa, advogado especialista em DIireito Empresarial