A Constituição Federal trata como garantia do trabalhador “a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas”.
A fim de regulamentar o tema, o legislador determinou que os estabelecimentos em que trabalhem mais de 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, devem conceder local apropriado para a amamentação e cuidados com a criança.
Além disso, de acordo com o art. 28, §9º, alínea “s” da Lei nº 8.212/91, não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias “o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas”.
Dessa forma, ao mesmo passo que as empresas são obrigadas a fornecer o benefício de creche ou babá (a jurisprudência pacificou o entendimento de que as despesas com babá possuem a mesma finalidade do auxílio creche), têm o direito de não recolher contribuições previdenciárias e encargos trabalhistas sobre os gastos.
Ocorre que, de acordo com a legislação, a dispensa de recolhimento das contribuições previdenciárias depende da comprovação das despesas incorridas com creche ou babá (uma vez que se trata de política de “reembolso”).
No entanto, não são raros os casos em que as famílias não contam com creches próximas à sua residência, tampouco conseguem empregar um(a) babá com o valor do benefício ofertado pela empresa (geralmente limitado a um salário mínimo), motivo pelo qual acabam por contratar informalmente pessoas próximas para auxiliar nos cuidados com a criança.
Nessas hipóteses, o pagamento realizado pela empresa não conta com o comprovante de despesa relativo a creche ou babá.
Nesses casos, qual deve ser o tratamento dispensado pela empresa? O benefício passaria a integrar a remuneração do(a) empregado?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 310, para fixar a tese de que “o auxílio-creche não integra o salário-de-contribuição”.
Na mesma linha, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) editou a Súmula CARF para fixar a tese de que “não incidem contribuições previdenciárias sobre as verbas concedidas aos segurados empregados a título de auxílio-creche, na forma do artigo 7º, inciso XXV, da Constituição Federal, em face de sua natureza indenizatória”.
As Súmulas não fazem expressa menção à necessidade de comprovação das despesas, mas estão baseadas no fato de que o pagamento realizado pelas empresas se dá na forma de reembolso, que pressupõe a comprovação das respectivas despesas.
Nessa linha de raciocínio encontramos a Solução de Consulta Cosit nº 152/2018, que retrata o posicionamento do Fisco quanto à necessidade de comprovação das despesas:
“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. AUXÍLIO-CRECHE.
O Ato Declaratório PGFN nº 13/2011 impede a constituição de crédito tributário de contribuição previdenciária (inclusive patronal) relativamente aos pagamentos efetuados a título de auxílio-creche a trabalhadores com filhos até o limite de cinco anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas, porém, atendidos os requisitos legais de não integração do salário-de-contribuição previstos no art. 28, § 9º,alínea “s”, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não incidem contribuições previdenciárias sobre verbas pagas a trabalhadores com filhos até o limite de seis anos de idade.”
A jurisprudência – ainda não pacificada – tem seguido o mesmo caminho:
“AUXÍLIO-CRECHE. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. COMPROVAÇÃO DE DESPESAS.
Sobre o pagamento efetuado a título de auxilio/reembolso creche não incidem as contribuições previdenciárias, observada a comprovação das despesas efetivas realizadas com estabelecimentos dessa natureza.”
(CARF – Acórdão 2202-007.221, Sessão de 02/09/2020)
“AUXÍLIO- CRECHE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO.
1. Em se tratando de uma obrigação patronal, o reembolso das despesas comprovadas da creche, quando terceirizado o serviço, não pode sofrer a incidência da contribuição previdenciária, pois tem nítido cunho indenizatório.
(TRF3 – 2ª Turma / Processo nº 5002058-36.2018.4.03.6111 / Relator Otavio Peixoto Junior / Data 21.05.2021)
Não discordamos do fato de que a exigência da comprovação das despesas tem por propósito afastar o desvio de finalidade do benefício, o que, apesar de ser legítimo, não deveria restringir o acesso de milhares de famílias (que não contam com creches próximas de suas residências ou capacidade financeira para empregar um(a) babá).
Nesse sentido, nos parece plenamente razoável que a comprovação documental de que o(a) empregado(a) possui filho(s) de até 6 (seis) anos de idade (certidão de nascimento) admite a presunção de que o auxílio creche ou babá fornecido pela empresa é necessário, independentemente da prévia comprovação das despesas. Nessa hipótese, porém, o valor do benefício deverá estar baseado em práticas ou estudos de mercado, a fim de evitar o desvio de sua finalidade.
Por fim, e em linha com o acima exposto, foi recentemente publicada a Lei nº 14.457/2022, para trazer significativas alterações no reembolso da creche. E, dentre as novidades, destacamos o reconhecimento de que é possível que o benefício não esteja necessariamente vinculado a uma instituição de ensino (creche):
“Art. 2º (…).
Parágrafo único. Ato do Poder Executivo federal disporá sobre os limites de valores para a concessão do reembolso-creche e as modalidades de prestação de serviços aceitas, incluído o pagamento de pessoa física.”
As expectativas são as de que o ato de Poder Executivo não tarde a ser editado e que seja capaz de influenciar os órgãos fiscalizadores e julgadores a respeito da relativização da comprovação documental das despesas (creche ou babá) como condição para o recebimento do benefício sem impactos fiscais e trabalhistas para as empresas.