Durante muito tempo, sobreviveu no Brasil uma polêmica juridica sobre quais seriam os percentuais e índices aplicáveis para a atualização das dívidas civis.
O Código Civil brasileiro previa, em sua redação original, que o devedor responderia “por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos”. Porém, sem que houvesse a expressa indicação desse índice oficial, não era incomum que cada tribunal adotasse um índice difrente: o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, adotava como índice oficial o INPC/IBGE; no Rio Grande do Sul, o índice utilizado era o IGP-M/FGV; e, no Paraná, além do IPCA-E/IBGE (para calcular o reajuste dos precatórios), era adotado um índice próprio calculado a partir da média entre os índices INPC e IGP-DI.
Recentemente, porém, foi publicada a Lei Federal nº 14.905/2024 (cuja vigência integral iniciou no final do mês de setembro), que trouxe nova redação ao Código Civil e estabeleceu que, caso não haja previsão contratual específica, o índice de correção monetária para atualização das dívidas civis será o IPCA/IBGE (art. 389, parágrafo único).
Se é certo que essa previsão trouxe maior segurança jurídica aos contratantes (uma vez que haverá uniformidade no tratamento do tema pelos diferentes tribunais), também é importante indicar que se tornou ainda mais importante que as empresas contem com assessoramento jurídico para a redação de seus contratos, para fins da escolha do índice de correção monetária mais adequado para a natureza econômica da operação.
Isso se dá porque determinadas operações não deverão ser atualizadas pelo IPCA/IBGE, por risco de gerarem um grande desequilíbrio. Pense-se, por exemplo, em um contrato relacionado à construção civil: nesse caso, é fundamental que haja previsão expressa de que o índice aplicado será o INCC, sob pena de não ser possível utilizá-lo em caso de descumprimento por um dos contratantes.
Outra mudança importante trazida pela Lei nº 14.905/2024 foi com relação à taxa de juros legais – outra grande polêmica superada. Anteriormente, discutia-se se os juros legais devidos em caso de inadimplência seriam de 1% ao mês ou se deveria incidir a Taxa SELIC, já que o Código Civil falava na aplicação de juros “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (antiga redação do art. 406).
Com a nova legislação, essa polêmica também foi superada, uma vez que se estabeleceu que a taxa de juros legal é a SELIC (art. 406, § 1º, do Código Civil), quando não previstos em contrato. Porém, isso não é tudo.
Na antiga sistemática, as dívidas civis deveriam ser corrigidas com a aplicação simultânea dos juros legais e do índice de correção monetária. Com a nova lei, caso não haja previsão contratual nesse sentido, a taxa SELIC para a correção do débito deverá ter deduzido o IPCA do mesmo período, podendo chegar a 0 caso a inflação tenha superado a SELIC (art. 406, § 3º).
Isso significa que, com a nova legislação, a inadimplência tornou-se menos gravosa aos devedores. Assim, a redação de um contrato deverá observar maiores cuidados no estabelecimento dos índices de correção, juros convencionais e multas, de modo a se gerar incentivos adequados para o adimplemento do contrato.
Portanto, nada de utilizar modelos prontos ou de negligenciar as cláusulas penais, mas sim construir com cuidado o contrato do começo ao fim.