O processo de globalização, especialmente nas últimas décadas, levou a uma crescente demanda por uniformidade nas práticas contábeis em nível mundial. Nesse contexto, as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS – International Financial Reporting Standards) surgiram como uma resposta à necessidade de padronização contábil, facilitando a comparabilidade entre as demonstrações financeiras de diferentes países.
Contudo, a implementação dessas normas em países com características fiscais e econômicas específicas, como o Brasil, levanta questionamentos sobre a adequação e os desafios de harmonização entre as IFRS e os padrões fiscais locais.
Este artigo tem como objetivo discutir a adequação das Normas Internacionais de Contabilidade ao contexto fiscal brasileiro, abordando as principais diferenças e os desafios enfrentados pelas empresas na conciliação das exigências contábeis internacionais e locais.
Contexto das Normas Internacionais de Contabilidade
As IFRS foram desenvolvidas pelo International Accounting Standards Board (IASB) com o propósito de criar um conjunto de normas contábeis de aplicação mundial. Elas visam promover a transparência e a comparabilidade das demonstrações financeiras em diferentes países, independentemente de sua legislação fiscal e contábil local.
No Brasil, a adoção das IFRS começou a ganhar força a partir de 2008, com a publicação da Lei nº 11.638, que alterou a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) para permitir a convergência das práticas contábeis brasileiras com as normas internacionais. A partir de então, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) passou a adaptar e emitir pronunciamentos técnicos que alinham a contabilidade brasileira às IFRS.
Padrões Fiscais Brasileiros
O sistema tributário brasileiro é reconhecido por sua complexidade, composta por uma ampla gama de tributos em nível federal, estadual e municipal. A legislação fiscal tem um forte impacto sobre a contabilidade das empresas, dado que muitas vezes as práticas contábeis locais são moldadas de acordo com as exigências fiscais, em vez de refletirem plenamente os princípios contábeis adotados internacionalmente.
O Brasil adota o regime de apuração com base na “contabilidade fiscal”, ou seja, muitas das práticas contábeis locais são orientadas para o cumprimento de obrigações tributárias. Nesse sentido, há uma tendência histórica de vinculação estreita entre contabilidade e tributação, o que gera dificuldades quando a empresa busca implementar as IFRS, que têm foco mais econômico e menos fiscal.
Conflitos e Desafios na Harmonização
A principal dificuldade na adequação das IFRS aos padrões fiscais brasileiros decorre das diferenças conceituais entre a contabilidade financeira internacional e a contabilidade fiscal nacional. Enquanto as IFRS se concentram na relevância econômica e na apresentação fiel da situação patrimonial e financeira da entidade, as normas fiscais brasileiras visam principalmente o cálculo de tributos.
Alguns dos principais pontos de conflito incluem:
- Reconhecimento de receitas e despesas: As IFRS seguem o princípio de competência, buscando refletir a realidade econômica dos eventos, enquanto a legislação fiscal brasileira frequentemente utiliza o regime de caixa ou regras específicas para fins de tributação;
- Avaliação de ativos e passivos: As normas internacionais, em especial a IFRS 13, priorizam o valor justo (fair value) como base para mensuração de ativos e passivos. No Brasil, a legislação fiscal muitas vezes adota o custo histórico ou regras específicas para depreciação, o que pode resultar em divergências significativas entre as demonstrações financeiras e os cálculos fiscais;
- Diferimento fiscal: A aplicação de IFRS pode gerar diferenças temporárias entre o resultado contábil e o resultado fiscal, exigindo o reconhecimento de ativos ou passivos fiscais diferidos. No entanto, as regras para reconhecimento e mensuração desses diferidos podem variar significativamente entre o padrão contábil internacional e a legislação fiscal brasileira.
Adaptação das Empresas Brasileiras
A implementação das IFRS no Brasil exigiu que as empresas adaptassem seus sistemas de contabilidade, treinamento de pessoal e práticas de elaboração de demonstrações financeiras. Muitas empresas adotaram sistemas contábeis paralelos, um para atender às exigências fiscais brasileiras e outro para as IFRS, de modo a cumprir simultaneamente as obrigações locais e internacionais.
Esse processo de adaptação, no entanto, envolve altos custos operacionais e a necessidade de um conhecimento profundo das duas normas. Além disso, há desafios relacionados à capacitação de profissionais e à adequação de sistemas de informação, o que torna o processo de convergência um desafio contínuo.
Conclusão
A adequação das Normas Internacionais de Contabilidade ao contexto fiscal brasileiro é um processo complexo e repleto de desafios. Embora a adoção das IFRS tenha contribuído para uma maior transparência e comparabilidade das demonstrações financeiras, a coexistência de normas contábeis com enfoques distintos – internacional e fiscal – continua a ser um obstáculo significativo para as empresas brasileiras.
A harmonização plena entre contabilidade financeira e fiscal requer, além de ajustes técnicos, uma mudança na cultura contábil e fiscal brasileira, que historicamente privilegia o cumprimento das obrigações tributárias. O desenvolvimento de mecanismos que facilitem a convergência entre as exigências contábeis e fiscais seria um passo importante para garantir maior eficiência e consistência nas práticas contábeis no país.
Referências
Cosenza, J. P. (2013). Adoção das IFRS no Brasil: Impactos e Desafios. Revista de Contabilidade e Finanças, 24(63), 23-37. Martins, E. (2015). Contabilidade fiscal e societária no Brasil: Convergência com as IFRS. Editora Atlas.Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). (2008)Pronunciamentos Técnicos: IFRS. Disponível em: http://www.cpc.org.br. Acesso em: 05 out. 2024.