A multidisciplinariedade da profissão contábil

A multidisciplinariedade da profissão contábil

No dia 12 deste mês, assisti uma aula de responsabilização no processo de contas, ministrada por um professor da UnB, auditor do TCU, que fez menção de que as demonstrações contábeis é um “hemograma” da organização. 

No dia 25 de abril comemora-se o “Dia do Profissional da Contabilidade”, profissional que trabalha na prevenção, controle, recuperação e sustentabilidade da “saúde” econômico-financeira das entidades e, nesta oportunidade, quero fazer uma reflexão sobre a multidisciplinaridade e multifuncionalidade da profissão contábil, que no Brasil é exercida por contadores e técnicos em contabilidade (art. 2º, do Decreto-Lei nº 9.295/46).

Semelhança e diferença entre o hemograma laboratorial e o contábil

Como se sabe, o hemograma é um exame laboratorial é um tipo de exame que analisa informações específicas sobre os tipos e quantidades dos componentes no sangue e pode detectar várias doenças, tais como, anemia, leucemia, infecções virais, infecções bacterianas e alergias.Utilizando essa metáfora, as demonstrações contábeis é um conjunto de relatórios que evidenciam tipos de informações (patrimonial, financeira e econômica) e quantidades (monetárias e físicas) dos componentes do patrimônio das organizações privadas e públicas, cujo exame, análise ou avaliação dessas demonstrações podem detectar vários benefícios (rentabilidade, lucratividade, melhoria da capacidade de pagamento de obrigações etc.) ou malefícios (redução das receitas, aumento das despesas, distorções decorrentes de erros e fraudes contábeis) que podem afetar o “estado de saúde” e a reputação da organização.

Mas existe uma diferença em relação a elaboração e análise entre o “hemograma” laboratorial e o contábil. O primeiro pode realizado por biomédico, biólogo ou farmacêutico, mas o diagnóstico e a prescrição do tratamento de doenças são atribuições do médico. Enquanto, o segundo hemograma (demonstrações contábeis), deve ser elaborado e analisado por contadores.  

Não obstante, o objeto de atuação do médico e do profissional da contabilidade, guardadas as devidas proporções, são semelhantes, visto que o objeto do primeiro é a saúde do ser humano e das coletividades humanas e, o do segundo, é o patrimônio do ser humano e das entidades privadas e públicas (coletividades humanas organizadas).

A multidisciplinariedade e multifuncionalidade do contador

Para exercer esse mister, a multidisciplinariedade do contador é fundamental e é inerente a sua formação acadêmica, pois as grades curriculares do curso de graduação em Ciências Contábeis devem conter conteúdos de formação básica (estudos das áreas de Administração, Economia, Direito, Métodos Quantitativos, Matemática e Estatística) e disciplinas de formação profissional (teorias da contabilidade, incluindo atividades de quantificações de informações financeiras e patrimoniais, de auditorias, perícias e controladoria, com suas aplicações peculiares ao setor público e privado (art. 4º da Res. CNE/CES nº 10/2004).   

Visando atender às necessidades de um mercado de trabalho dinâmico, afetado pela evolução da tecnologia que, por sua vez, impacta o ambiente de negócios e as atividades dos profissionais da contabilidade na administração pública e privada, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) aprovou a Resolução CFC nº 1.640/2021, que dispõe sobre as prerrogativas profissionais de que trata o art. 25 do Decreto-Lei n.º 9.295/46, revogando as Resoluções CFC nº 94/58 e nº 560/83.

Segundo essa resolução, assim como nas anteriores, o contador pode exercer, dentre outras funções, as de analista de balanço, auditor interno, auditor externo, auditor contábil, auditor de contabilidade e orçamento, auditor financeiro, fiscal de tributos, auditor fiscal (em contabilidade), auditor independente, conselheiro, controller, perito assistente, perito contador, perito de balanço e perito judicial contábil (art. 4º, Res. CFC nº 1.640/2021).

A multidisciplinariedade da profissão contábil também se revela nas diversas atribuições privativas de contador previstas no art. 5º, da referida Resolução, das quais vale destacar as seguintes:

a) elaboração, análise e revisão das demonstrações contábeis e de todas as demonstrações que expressam a posição patrimonial e de suas variações, mesmo que com outra nomenclatura, tais como demonstrações financeiras, relato integrado ou relatórios de sustentabilidade;

b) controle, avaliação e estudo da gestão contábil, capacidade econômico-financeira e patrimonial de quaisquer entidades;

c) elaboração e controle de orçamentos de qualquer tipo, tais como econômicos, financeiros, patrimoniais e de investimentos, com o respectivo acompanhamento de sua execução em quaisquer entidades;

d) auditoria interna e operacional, bem como auditoria externa independente;

f) implantação, organização e operação dos sistemas de controle interno auxiliares à contabilidade; e

g) assistência e/ou participação aos/nos conselhos de administração, fiscais, consultivos, comitês de auditoria, de riscos de quaisquer entidades, quando houver demanda por conhecimento em contabilidade.

Além disso, a consultoria e assessoria na implementação de programas governança, conformidade e gestão de riscos são consideradas atividades compartilhadas, cujo exercício é prerrogativa dos profissionais da contabilidade e de outras profissões (art. 5º, XXVI, da Res. CFC nº 1.640/2021).

Ademais, o rol de atividades de contabilidade descrito no art. 25 do Decreto-lei nº 9.295/46 não é exaustivo, visto que os contadores podem exercer “quaisquer outras atribuições de natureza técnica conferidas por lei” nos termos da alínea “c”, do art. 25, combinado com o art. 26, e a competência conferida ao CFC pelo art. 36 para decidir sobre quaisquer dúvidas suscitadas acerca das atribuições dos profissionais.

É importante ressaltar que as atribuições do contador foram regulamentadas em um ambiente histórico, cultural, econômico, jurídico-legal e tecnológico totalmente diferente do final do Século XX. Para exemplificar, a lei da profissão contábil foi editada antes das Constituições de 1946, 1967, 1969 e 1988, da Lei nº 4.320/64, que instituiu as funções de controle interno e controle externo, da Lei nº 6.404/76 e da regulamentação das profissões de economista (1965), administrador (1965), engenheiro (1966) e advogado (1994).  

Assim, em decorrência das transformações econômicas, sociais, tecnológicas e do ordenamento jurídico brasileiro, era imprescindível a interpretação, adequação e atualização das atribuições do contador ao novo ambiente interno e externo, o CFC, no uso de suas atribuições legais, regulamentou as atividades profissionais de contabilidade, primeiramente, pela Resolução CFC nº 560/83 e, atualmente, pela Resolução CFC nº 1.640/2021.

Por fim, recentemente, a Resolução CNE/CES nº 01/2024 instituiu as novas Diretrizes Nacionais Curriculares do Curso de Graduação em Ciências Contábeis, estabelecendo que os  conteúdos devem contemplar conhecimentos, entre outros, de Administração, Economia,  Direito e, para desenvolver competências, especialmente, para: a) preparar, analisar e reportar informações financeiras e não financeiras relevantes e fidedignas; b) auditar informações financeiras e não financeiras e prestar outros serviços de asseguração e c) analisar a gestão de risco, controle interno e outros mecanismos de governança.

Considerações finais

Com objetivo de defender as prerrogativas exclusivas dos profissionais de contabilidade, especialmente as do contador, é indispensável a mobilização da classe contábil junto ao Congresso Nacional, capitaneada pelo CFC, visando apresentar um anteprojeto de lei que disponha, expressamente, sobre as atribuições privativas do contador no planejamento, na supervisão, na coordenação, na orientação e na execução das atividades de:  

a) auditoria interna e operacional nos setores privado e público, independente das nomenclaturas e tipologias adotadas, destinado a avaliar e propor melhorias nos processos de gestão de riscos, controles internos, conformidade e de governança;

b) registro, tratamento, acompanhamento, evidenciação, controle e auditoria das operações relativas à administração orçamentária, financeira e patrimonial dos órgãos e entidades públicas, dos relatórios de estatísticas fiscais, demonstrativos e demonstrações contábeis do setor público; bem como avaliação dos atos e fatos de gestão orçamentária, financeira e patrimonial das organizações privadas e públicas; e

c) análise, perícia, mediação e arbitragem em matérias tributárias, financeiras e econômicas que envolvam dados, transações e operações registradas ou não em sistemas de informações contábeis ou nas demonstrações contábeis das organizações.

Destarte, os profissionais da contabilidade, pertencentes à categoria de contador, possuem habilidades e competências acadêmicas e profissionais para realizar auditoria interna governamental, independente das nomenclaturas e tipologias adotadas, tais como auditoria de gestão, operacional, de processos, de avaliação de controles internos ou de riscos, de conformidade e de governança que envolvam atos ou fatos de gestão orçamentária, financeira e patrimonial e seus respectivos controles internos.    

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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