A mão de obra temporária com carteira assinada atingiu em outubro a maior marca de contratações desde o início da série do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 2008.
O saldo de admissões desses temporários, que são recrutados por empresas especializadas e que consta em um item especial do Caged, foi de 30,7 mil trabalhadores naquele mês.
Entre junho e outubro o número de brasileiros empregados como temporários em empresas especializadas nesse tipo de recrutamento cresceu 25%. É uma taxa dez vezes maior do que a registrada no avanço do estoque total de empregados formais no mesmo período, que foi de 2,3%.
“Não podemos dizer que a recuperação do emprego formal está se dando em cima do trabalho temporário, mas está havendo uma quantidade inédita de admissões desses trabalhadores”, afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Fabio Bentes.
A opção pelos temporários ocorre em razão do cenário incerto da economia, que põe em xeque a sustentabilidade da recuperação da atividade registrada nos últimos meses.
Segundo Bentes, as incertezas sobre a economia em 2021, como os impactos de uma segunda onda de covid-19, a aplicação ou não de uma vacina, o fim do auxílio emergencial e a própria sustentabilidade do aumento da demanda registrado nos últimos meses deixaram as empresas cautelosas.
Essa também é a avaliação de Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). As empresas, diz ele, “tentam não se amarrar” o máximo possível e há um processo relativamente disseminado de contratações temporárias, inclusive em setores intensivos em mão de obra. Ele argumenta que as empresas se preparam para atender a demanda, mas, como há dúvidas, buscam opções, caso precisem se desfazer da mão de obra rapidamente. Por isso, optam por temporários.
Essa estratégia é nítida em grandes companhias. O setor automotivo, que desde o início da pandemia cortou um total de 4,6 mil vagas, registrou 730 contratações em outubro, “a maioria por prazo determinado”, informa o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Luiz Carlos Moraes. “As empresas não sabem se o aumento de demanda atual veio para ficar e, enquanto não tiverem certeza, vão operar com horas extras ou contratos temporários.”
Horas extras
Enquanto a demanda não dá sinais claros de sustentabilidade, as horas extras viraram uma saída para várias companhias do setor automobilístico. A fábrica da Nissan em Resende (RJ) opera em um turno de produção para atender o atual volume de demanda. Mas, quando necessário, utiliza horas extras e trabalho aos sábados. A General Motors informa que vai operar pontualmente em algumas fábricas com horas extras e trabalho aos sábados.
Para a FCA Fiat Chrysler, o mercado se recupera ainda de forma assimétrica e, para administrar a fase de transição para o ritmo normal de produção, também está recorrendo a horas extras ou jornadas adicionais. Outra que estabeleceu horas extras até o fim do ano é a Volvo, fabricante de caminhões em Curitiba (PR). A Scania, também fabricante de caminhões no ABC, adotou jornadas extras aos sábados.
Online
Uma em cada três vagas temporárias neste fim de ano são para lojas online, segundo a Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários. “No ano passado, as vagas online representavam menos de 10% do volume total”, conta Maira Campos, diretora da empresa.
Segundo a executiva que recruta e faz a gestão da mão de obra de terceiros não só para o varejo, mas para indústria e outros segmentos, há um forte movimento de admissão de temporários este ano.
Em outubro, de acordo com ela, o volume de contratações fechadas pela empresa foi 50% maior do que no mesmo período do ano passado. E não apenas de trabalhadores para as festas de fim de ano.
Maira diz que há empresas com bastante apetite por contratações de trabalhadores temporários e que existe uma preocupação muito grande em termos de custos e justificativas de investimentos.
“O temporário é uma forma mais fácil de as empresas viabilizarem as contratações e suprirem as demandas.”
Além do avanço dos trabalhadores temporários na pandemia, também houve um crescimento dos contratos intermitentes de trabalho – modalidade que começou a vigorar em 2017 e na qual os trabalhadores não têm horário fixo e ganham pelas horas trabalhadas.
Entre junho e outubro, essas contratações cresceram 18,4%. Mas, segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, que fez, a pedido do Estadão, um recorte especial dos resultados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para chegar a esses números, os intermitentes ainda representam uma fatia ínfima do mercado de trabalho. Em outubro, respondiam por 0,5% do estoque total de trabalhadores com carteira.
Na verdade, temporários e intermitentes têm uma participação pequena no bolo total. Em outubro, por exemplo, representaram menos de 10% do total de vagas formais criadas. De acordo com os dados do Caged, houve abertura líquida de 394,9 mil vagas formais de trabalho naquele mês – o melhor resultado para o período desde o início da série histórica em 1992 – das quais cerca de 30 mil foram temporárias.
De um milhão de postos formais líquidos criados entre junho deste ano – o fundo do poço do mercado de trabalho – e outubro, quase 10% foram vagas temporárias abertas por empresas especializadas e computadas nessa rubrica do Caged.