Cultura inflacionária no Brasil

Cultura inflacionária no Brasil

O quiosque de Dona Yazinha é um ponto de venda muito concorrido aqui em Salvador, para quem gosta de degustar um bom acarajé. Eu frequentava muito o local, desde julho de 1994, mês e ano em que foi implantado o Plano Real no Brasil.

Não por coincidência, guardei a data na memória porque foi a partir daquele mês e ano que percebi o quanto nós, consumidores brasileiros, temos contribuído tanto para o aumento da inflação neste país.

A lembrança do quiosque de Dona Yazinha ocorreu porque um dia desses, final de tarde de uma sexta-feira, fui lá saborear um acarajé com camarão. O ambiente estava lotado, como sempre, e a fila era muito maior do que a de outro ponto comercial bem próximo do quiosque. Lá, no outro ponto, vende sanduíches naturais muito saborosos. Nenhuma novidade até aqui.

A minha surpresa, ao chegar no quiosque, foi constatar que o preço da iguaria tinha aumentado bastante. A unidade com camarão passou de R$ 10,00 para R$ 14,00. Em Salvador os preços do acarajé variam de acordo com a fama da baiana, a localização do quiosque ou então do tabuleiro e em função da qualidade do acarajé, claro.

Fiquei refletindo sobre minhas aulas de análise de custos, disciplina que lecionei por muitos anos para alunos do curso de Ciências Contábeis. Naquele momento tentei abstrair o pensamento inflacionário para não associar conhecimento técnico com um momento de descontração. Eu estava ali para fazer o que muita gente faz: saborear acarajé, tomar uma cerveja gelada com moderação, e relaxar…

De maneira quase involuntária decidi que em casa, com calma, analisaria a variação de preços do acarajé de Dona Yazinha. Ela sempre foi muito gentil comigo e antes de ir embora, discretamente, perguntei-lhe por que o preço aumentou tanto. A baiana foi objetiva na resposta: o preço do quilo de camarão aumentou 30%. Ponto final!

Essa resposta foi suficiente para eu compreender como muitos preços são praticados no Brasil. Um dos componentes aumenta e esse aumento é repassado com sobra, e sem critério, para o preço final. Isso tem acontecido com mercadorias, produtos e serviços em nosso país.

Provavelmente, o escritório de contabilidade que atende aquela baiana não acompanha as decisões de preço praticados por ela. Talvez o foco do profissional de contabilidade seja mais voltado para a elaboração da folha de pagamento, cálculos de encargos sociais e trabalhistas, e outras atividades relacionadas ao funcionamento formal daquele estabelecimento, visto que o quiosque emprega algumas pessoas, paga aluguel e tem anúncio em painel com destaque.

Não seria demais se o profissional de contabilidade sugerisse ou então orientasse como Dona Yazinha deveria calcular o repasse do aumento do preço do quilo de camarão para o preço de venda dos acarajés. Isso seria uma grande contribuição para aquela baiana.

O exemplo do acarajé é apenas para ilustrar uma situação real. Eu não deveria propor a Dona Yazinha uma revisão de preços, pois ela é a proprietária do negócio e é quem decide o preço do seu produto. Mas, mesmo com a cordialidade recíproca de sempre que há entre nós, tomei uma atitude bem pensada: vou deixar de saborear o delicioso acarajé daquele ponto, por algum tempo. Esta é a opção que tenho para discordar do aumento de 40% no preço do acarajé, cuja justificativa foi um aumento de 30% em um dos ingredientes, o camarão.

Não faria sentido ou então não seria razoável eu apresentar uma planilha com a composição analítica do preço de venda do acarajé, indicando quanto deveria ser o aumento de preço, pois Dona Yazinha provavelmente iria dispensar essa minha ajuda.

Quem precisa reagir ao aumento exagerado de preços é quem compra. Se isso não acontece, de forma consciente e no momento adequado, mesmo com aparente sacrifício pessoal, a inflação vai sendo alimentada da pior maneira possível: a inércia dos consumidores que fazem parte do processe de compra.

Apenas para ilustrar um pouco mais este artigo, fiz uma comparação de preços, no período de vários anos, entre o acarajé com camarão (com a mesma qualidade do deDona Yazinha) e a nossa moeda, o Real.

Quando o Real foi implantado no Brasil, em 1o de julho de 1994, o preço médio do bolinho de acarajé com camarão em Salvador era R$ 1,00. Na mesma época, a cerveja em lata com 350 ml também tinha preço médio de R$ 1,00 e o dólar valia R$ 1,00. No início deste mês de outubro de 2022 o preço do acarajé com camarão em alguns locais de Salvador varia entre R$ 10,00 e R$ 15,00. A mesma marca de cerveja em lata varia entre R$ 4,60 e R$ 5,80. O dólar comercial flutua diariamente e está abaixo de R$ 6,00.

Nada contra o acarajé de Dona Yazinha, mas percebe-se que deixou de existir uma relação razoável entre o preço de venda dessa iguaria, a cerveja em lata e o dólar comercial. Nota-se também que, nesse exemplo, o acarajé com camarão foi o item que mais variou no período da comparação, refletindo significativo aumento de preço dessa iguaria.

Felizmente, acarajé e camarão não fazem parte da cesta básica no Brasil.

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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