Com cinco anos em vigor, a reforma trabalhista e a lei da terceirização trouxeram importantes mudanças para as relações entre empresas e funcionários.
Porém, algumas decisões ainda não chegaram aos entendimentos majoritários do Judiciário trabalhista, segundo conclusão de uma análise feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) de súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Isso não quer dizer, na prática, que juízes e desembargadores trabalhistas estejam tomando decisões com base em orientações defasadas, ou que sejam divergentes em relação às novas legislações.
No entanto, diz a gerente-executiva de relações do trabalho da CNI, Sylvia Lorena, a manutenção dessas súmulas pode deixar uma percepção de insegurança jurídica e “causar problemas com os mais desavisados.”
“Um pequeno empresário que decide entrar no site do TST para consultar sobre o assunto e vê essa súmula, ele vai achar que ainda está valendo”, afirma.
Para a CNI, 29 súmulas precisam ser canceladas. O número corresponde a cerca de 10% dos entendimentos majoritários do TST. A confederação analisou também as orientações jurisprudenciais, como são chamados os entendimentos fechados com um quórum menor.
O advogado sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, Luiz Guilherme Migliora, diz que a existência de uma súmula não deveria ser um problema, pois ela apenas captura o entendimento da maioria do tribunal no momento.
Quando há uma nova legislação, é natural, avalia o advogado, esperar que a súmula que trata daquele assunto seja revista. Por outro lado, ele considera improvável que uma súmula defasada tenha o poder de gerar decisões divergentes em relação à legislação.
“Uma súmula em vigor não tem o poder de uma lei em vigor”, diz o advogado. “Podem sim enganar [pequenos empresários], porque, de fato, se está no site do TST uma súmula que está em vigor, a tendência é que isso seja entendido como válido. Mas é uma coisa mais específica”, afirma.
Sylvia, da CNI, diz que a análise foi produzida com a intenção de incentivar, ao mesmo tempo, uma provocação e uma reflexão sobre o assunto. “De modo geral, os tribunais vêm aplicando a legislação”, diz. “Mas você tem um comando legal [a lei] em um sentido, e uma jurisprudência, em outro.”
Além das leis da terceirização e da reforma trabalhista, a CNI levantou decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF) que fecharam entendimento quanto à constitucionalidade ou não de certos assuntos. Recentemente, em agosto, a Corte superior invalidou uma súmula do TST que previa o pagamento em dobro das férias se houvesse atraso.
O Supremo entendeu que a penalidade, para a remuneração das férias e o terço constitucional, não está prevista em lei. A partir desse entendimento, a confederação concluiu que a Súmula 450 do TST deve ser cancelada.
A gerente-executiva de relações do trabalho da CNI destaca ainda as mudanças legislativas que tratam da negociação coletiva. “O pilar, o esqueleto da reforma trabalhista, foi valorização da negociação coletiva, no sentido de privilegiar o negociado sobre o legislado”, afirma.
Assuntos com súmulas defasadas, segundo a CNI
> HORAS IN INTINERE (TEMPO DE DESLOCAMENTO)
O percurso feito pelo trabalhador até o local de trabalho é tema de quatro súmulas e uma orientação jurisprudencial; elas discutiam deslocamento entre a portaria e o posto de trabalho e também o uso de veículo fretado pelo empregador.
Motivo para o cancelamento: o §2º do art. 58 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) fixou que o tempo de deslocamento, seja caminhando ou em veículo da empresa ou próprio, não conta como jornada de trabalho.
Súmulas afetadas: 90, 320, 429 e OJ 36
> TERCEIRIZAÇÃO
A possibilidade de as empresas contratarem trabalhadores por meio de outra empresa foi tema de uma súmula, uma orientação jurisprudencial e foi discutida no STF.
Motivo para o cancelamento: as leis 13.429 e 13.467 liberaram a terceirização de todas as atividades de uma empresa, inclusive a principal; o STF reconheceu a possibilidade.
Súmulas afetadas: 331 e OJ 383
> ESTABILIDADE PROVISÓRIA
O TST fixou que o contrato por prazo determinado não retirava da gestante o direito à estabilidade no emprego, que vale desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Motivo para o cancelamento: O STF fixou, em repercussão geral, o entendimento de que a estabilidade para gestantes está vinculada à possibilidade de haver demissão sem justa causa, algo que não existe no contrato por prazo determinado.
Súmula afetada: 244
Sobre assunto, a conclusão da CNI é que as mudanças trazidas pela reforma tornam defasadas cinco súmulas e três orientações jurisprudenciais.
A Súmula 277, tratava da ultratividade das normas coletivas, que é a prorrogação dos termos de um acordo ou convenção até que nova negociação seja concluída. Com isso, benefícios concedidos em um acordo com duração prevista inicialmente de dois anos poderiam acabar incorporados ao contrato de trabalho.
Além do confronto com o que prevê a CLT desde a reforma trabalhista (não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade), a Súmula 277 foi considerada inconstitucional pelo STF.
O juiz do trabalho André Dorster, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, de São Paulo (TRT-2), explica que as súmulas do TST são um parâmetro de interpretação para os tribunais e juízes de primeira instância sobre determinados assuntos.
Na avaliação dele, uma revisão das súmulas consideradas superadas por novas leis seria interessante, mas não é indispensável.
“Mas seria de fato importante porque isso traria segurança jurídica e evitaria ruídos. É uma situação que poderia gerar má interpretação pelos destinatários da lei. Um leigo pode não entender que houve mudança.”
O problema é que a própria reforma trabalhista tornou mais complexas as revisões e criações de súmulas. O artigo 702 da CLT passou a prever a necessidade de haver o voto de pelo menos dois terços do Tribunal Pleno, caso o assunto já tenha sido decidido de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas.
Em maio, o TST declarou a inconstitucionalidade dos dois dispositivos criados pela lei 13.467/2017, da reforma e que mexeram na regra para súmulas. O caso ainda está em discussão no STF, mas ainda não há decisão final.
O TST foi procurado na sexta (30), mas não respondeu.
Com informações da Folha de S.Paulo