No dia 12 de maio de 2021 entrou em vigor a Lei nº 14.151, para determinar que “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.”
A norma possui a incontestável finalidade de proteger as gestantes contra os maléficos e ainda não totalmente conhecidos riscos decorrentes do coronavírus, mas trouxe consigo algumas relevantes indagações, tais quais:
- Como exigir que a gestante, cuja atividade é incompatível com o trabalho remoto, esteja à disposição do empregador?
- Quais os efeitos jurídicos de uma eventual alteração das suas atividades, para justificar a manutenção da sua remuneração?
- A norma se aplica à todas as gestantes, inclusive àquelas que estão imunizadas pela vacinação?
Essas indagações motivaram diversas empresas a ingressarem com medidas judiciais com o objetivo de (i) atribuir ao Governo Federal o custeio da remuneração das empregadas gestantes afastadas por determinação legal, e/ou (ii) afastar o recolhimento das contribuições previdenciárias, especialmente nos casos em que o trabalho é incompatível na modalidade remota.
Com efeito, diversas decisões têm atribuído ao Governo Federal a responsabilidade pelo ônus advindo da Lei nº 14.151/2021, conforme exemplo abaixo transcrito:
“Ora, ao incumbir o pagamento da remuneração da empregada gestante afastada de suas atividades ao empregador, a norma, apesar de garantir e assegurar a proteção da gestante no que se refere à saúde da mulher e do próprio nascituro, coloca, por outro lado, outras garantias e direitos da gestante em xeque. Isso porque, ao estabelecer o encargo do pagamento ao empregador, o legislador cria um claro óbice no que tange o ingresso e a manutenção da mulher no mercado de trabalho, indo contra princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais garantidores, principalmente, da isonomia entre homens e mulheres.” (Mandado de Segurança nº 1069180-35.2021.4.01.3800, decisão proferida pela 18ª Vara Federal Cível da SJMG em 11 de novembro de 2021)
Vale destacar que o principal e acertado fundamento das decisões judiciais tem sido o dever do Estado não impor quaisquer ônus adicionais a uma situação que já é, por si só, mais cara ao empregador, que não pode sofrer o desestímulo estatal para a contratação de mão de obra feminina, conforme já havia decidido o Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 576.967 por ocasião da declaração da inconstitucionalidade da tributação previdenciária incidente sobre o salário-maternidade.
A relevância do tema ensejou um novo debate legislativo, que culminou na edição da Lei nº 14.311 (publicada no dia 10 de março de 2.022). A nosso ver, as alterações estão relacionadas a dois pontos.
O primeiro ponto trata do alcance da norma. Se antes o afastamento das gestantes era obrigatório em qualquer hipótese, a Lei nº 14.311 restringiu para o caso da gestante ainda não ter sido totalmente imunizada (de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações).
Já o segundo ponto trata da possibilidade do empregador, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial.
A nosso ver, apesar das alterações esclarecerem parte das indagações que surgiram com a Lei nº 14.151/2021, pouco contribuem para a sua aplicação prática (como alterar funções que são, por essência, incompatíveis com o trabalho remoto?
Como capacitá-las à distância, com a garantia de que não serão penalizadas pelo baixo desempenho de uma nova e inesperada função), além de manterem o ônus financeiro do afastamento das gestantes sob exclusiva responsabilidade do empregador.
É importante mencionar que dentre as propostas de alteração da Lei nº 14.151/2021 estava incluída a assunção, pelo Governo Federal, do custeio da remuneração das gestantes afastadas do trabalho presencial (via concessão antecipada do salário maternidade), na hipótese do seu trabalho ser incompatível com o trabalho remoto.
Contudo, o trecho foi vetado sob os argumentos de que a medida contrariaria o prazo de concessão do salário-maternidade, sem o prévio dimensionamento dos custos envolvidos, bem como demandaria a contratação de operação de crédito para a sua operacionalização.
Sem embargo de nossa discordância quanto às justificativas apresentadas (algo que será explorado em artigo específico), nos parece que algumas alternativas capazes de minimizar os impactos para as empresas e para o Governo Federal (e principalmente refutar o desestímulo estatal para a contratação de mão de obra feminina) foram simplesmente desconsideradas:
- 1) permitir a dedução dos gastos incorridos pelas empresas, com as gestantes afastadas por força da Lei nº 14.151/2021, na apuração das contribuições previdenciárias (seguindo o mesmo princípio que fundamenta o art. 5º da Lei nº 13.982/2020 );
- 2) afastar o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre a “remuneração” paga pelas empresas às gestantes afastadas cujas funções são incompatíveis com o trabalho remoto (já que não há prestação de serviços).
Aparentemente as empresas terão que continuar a se socorrer do Poder Judiciário para refutar obstáculos e ônus financeiros injustificáveis à contratação da mão de obra feminina.