Há dois anos a discussão sobre correção monetária dos saldos das contas vinculadas ao FGTS segue sem uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF). A situação não anda desde uma decisão individual que paralisou a tramitação de milhares de processos no país até a palavra final da Justiça.
O assunto já foi incluído e retirado de pauta várias vezes e, por enquanto, não há previsão de quando deve voltar à ordem do dia.
O processo busca a atualização das contas do FGTS por algum índice de inflação. Hoje, os saldos são corrigidos pela TR (Taxa Referencial) mais juros de 3% ao ano. A TR está zerada desde 2017.
A ação em discussão no Supremo não estabelece se a correção deverá ser feita pelo INPC, IPCA ou IPCA-E, todos índices inflacionários calculados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Entidades trabalhistas estimam que a revisão do fundo pode causar impacto superior a R$ 300 bilhões aos cofres públicos.
Líderes de centrais sindicais procuraram o presidente da corte, ministro Luiz Fux, para uma audiência, mas ainda aguardam resposta. É de Fux a prerrogativa de definir o que vai a julgamento no plenário.
Fux disse à Folha que há atualmente proposta sobre a correção do FGTS em discussão no Congresso Nacional e que, por deferência aos parlamentares, o Supremo decidiu aguardar um pouco antes de julgar a causa.
“Se não houver deliberação a respeito do tema no Parlamento nos próximos meses, o STF poderá remarcar data para julgamento da ação”, afirmou.
Uma corrente majoritária no tribunal, e Fux dela faz parte, leva em conta as repercussões econômicas das decisões judiciais, preocupação que aumentou em tempos de pandemia.
Durante a preparação do processo para julgamento (instrução processual), o governo federal e o Senado defenderam a constitucionalidade das normas que estabeleceram a TR como indexador para as contas do FGTS.
Governo pode perder na Justiça
Há uma avaliação de que o imbróglio em torno do FGTS pode esperar mais, até porque as chances de o governo perder no tribunal são concretas.
No ano passado, por exemplo, a lógica que moveu os ministros ao declarar inconstitucional a aplicação da TR (taxa referencial) na correção monetária de dívidas trabalhistas foi a de que não cabe índice de correção menos vantajoso a quem tinha precatórios a receber.
No caso do FGTS, o partido Solidariedade enviou uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ao Supremo para questionar a TR como indexador dos valores depositados nas contas vinculadas ao fundo.
A taxa referencial foi criada no início dos anos 1990 em meio a um conjunto de regras com o objetivo de desindexar a economia.
O Solidariedade alega que a TR é inconstitucional pois corrói o patrimônio dos trabalhadores ao não repor as perdas inflacionárias.
“Precisamos de um novo índice. As perdas são enormes. Poderíamos dizer que esse é o maior assalto do mundo, nunca tanta gente foi tão roubada por tanto tempo”, afirma o presidente nacional do Solidariedade, deputado federal Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força.
Entre os argumentos, o partido citou estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) que apontou defasagem de 48,3% dos saldos do FGTS entre 1999 a 2013.
De acordo com o departamento, o cenário de queda das taxas de juros no pós-1999 afetou diretamente a variação da TR.
“Isso teve impacto direto sobre a rentabilidade do fundo e, por outro lado, afetou também a remuneração dos cotistas”, afirmou o Dieese.
A ação proposta pelo Solidariedade não estabelece o índice de inflação pelo qual os recursos depositados no Fundo de Garantia deveriam ser corrigidos.
No pedido, o partido diz não pretender substituir os Poderes Executivo e Legislativo “na definição do índice de correção que entende mais apropriado ao FGTS (INPC, IPCA ou qualquer outro).”
Decisão sobre FGTS afeta mais de 50 mil processos
Quando recebeu a missão de relatar o caso, o ministro Luís Roberto Barroso chamou a atenção para alguns aspectos da causa.
Afirmou que a questão interessa a milhões de trabalhadores celetistas e que, naquele momento, havia notícia de mais de 50 mil processos judiciais.
“Também impressiona o tamanho do prejuízo alegado pelo requerente [partido Solidariedade], que superaria anualmente as dezenas de bilhões de reais, em desfavor dos trabalhadores”, disse.
Em setembro de 2019, Barroso concedeu uma liminar (decisão provisória) para suspender a tramitação de todos os processos que tramitam no Brasil sobre a questão.
Alguns juízes não seguiram a determinação de Barroso e continuaram a analisar ações em outras instâncias da Justiça.
Recursos para casos pontuais foram apresentados ao STF e ministros como Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski assinaram decisões para que a ordem de Barroso fosse cumprida.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestou contra a tramitação da ação e, se vencida nesse aspecto, pela improcedência do pedido.
Parte interessada na discussão, o Banco Central argumentou que mudanças aprovadas pelo Congresso Nacional em 2017 e 2019 para o fundo de garantia fizeram com que o debate perdesse seu objeto.
O BC se referiu à inovação legislativa que garantiu rentabilidade maior às contas, por meio da distribuição de lucros do FGTS.
Quanto a esse argumento da autoridade monetária, o procurador-geral da República, Augusto Aras, discordou.
“Não há falar em perda do objeto”, disse Aras. “O próprio Bacen, ao afirmar a perda do objeto, deixa claro que as contas vinculadas ao FGTS continuam sendo corrigidas pela TR, de modo que a disciplina reputada inconstitucional permanece vigente e seus efeitos jurídicos, aplicáveis.”
O procurador-geral afirmou que a distribuição do resultado positivo auferido pelo fundo, embora represente acréscimo de remuneração, não afasta a tese de inconstitucionalidade sustentada pelo Solidariedade.
A última vez que o Supremo sinalizou que analisaria o assunto foi em maio, mas o julgamento foi novamente adiado. Em junho, Paulinho da Força foi ao Supremo acompanhado do presidente da Força Sindical, Miguel Torres, e do presidente da CUT, Sérgio Nobre.
Os três se reuniram com Barroso. Na ocasião, segundo o parlamentar, o ministro calculou que a ação retornaria à pauta no segundo semestre deste ano, o que não se concretizou até o momento.
Diante desse quadro, o parlamentar afirmou à Folha que voltou a procurar o magistrado no início deste mês por telefone. “Disse a ele [Barroso] que ninguém acredita que o país tenha dinheiro para pagar, mas podemos fazer uma negociação como ocorreu lá atrás, no governo Fernando Henrique Cardoso, no acordo em que 42 milhões de pessoas receberam as perdas do Plano Collor”, afirmou.
Fonte: com informações da Folha de S.Paulo