Um dos maiores sabotadores de uma carreira contábil sólida é a departamentalização. Ela acaba tolhendo a visão do contador, que é essencial para um trabalho de alto nível. O tema de hoje, a contabilização de retenções, deixa isso muito claro.
A escrituração contábil é uma forma de representar a realidade. Assim como um escritor ou um pintor, ele deve ser capaz de perceber a realidade com seus sentidos e com sua razão. A partir daí, ele representa aquilo através de sua obra. Da mesma forma, o contador deve ser capaz de perceber o que acontece de verdade para então traduzir isso em débitos e créditos.
Aí nasce o drama da departamentalização excessiva. Quem entende de retenção, não entende de contabilização e vice-versa. Como representar algo que não se entende?
E os impasses de processos vão aparecendo: quem parametriza os lançamentos? Quem confere/concilia? Se você trabalha na área e teve experiência com empresa super departamentalizada, sabe do que eu falo.
Entendendo a realidade:
Quando se fala de retenções de tributos, a primeira coisa é definir do quê estamos tratando. Há retenções em operações de crédito (como o IOF), em rendimentos de aplicação financeira (IRRF que seu banco retém) etc. Hoje, quero observar a relação de prestação de serviço especificamente.
Assim, há duas pessoas envolvidas.
De um lado, uma pessoa presta o serviço. O prestador do serviço também pode ser denominado contratado (aquele que é contratado para prestar o serviço). Ainda podemos chamá-lo de beneficiário do rendimento, afinal é ele que vai receber dinheiro pelo serviço que foi contratado para prestar.
Do outro lado, uma pessoa toma (ou adquire) o serviço. O tomador do serviço também pode ser denominado contratante (aquele que contrata alguém para que este alguém preste o serviço). Ainda podemos chamá-lo de fonte pagadora, pois é ele que vai pagar o dinheiro pelo serviço que contratou alguém para executar.
Eu sei que parece óbvio, e é mesmo. É básico. Mas sem o básico bem sólido, não dá para avançar.
Tratando de retenções em serviços, habitualmente elas tem a função de antecipação dos tributos devidos pelo prestador, apesar de haver casos em que a retenção é uma tributação definitiva, exclusiva na fonte. Em regra geral, o tomador do serviço (fonte pagadora), retém determinado valor. Assim, ele paga o valor do serviço ao prestador líquido dessa retenção. Por sua vez, o prestador do serviço se aproveita daquela retenção sofrida, abatendo do tributo apurado por ele.
Ou seja: o mais comum é que o prestador do serviço sofre a retenção, enquanto o tomador do serviço efetua a retenção. Até há exceções (como a auto-retenção do IRRF), mas vamos trabalhar com a regra geral por aqui, senão não sairemos do lugar.
Quando a retenção acontece?
O conhecimento tributário será extremamente importante para compreender a operação.
A qualificação do prestador, o tipo de serviço realizado, a qualificação do tomador… tudo isso vai fazer diferença para analisar se há ou não a retenção. E ainda a legislação tributária definirá quando essa retenção é realizada.
Para fins de comparação, vou trazer aqui dois casos: IRRF e CSRF.
Prestadores de serviço do Simples Nacional não sofrem nenhuma das duas retenções, já prestadores do Lucro Presumido ou do Lucro Real sofrem.
A relação de serviços que sofre cada retenção é diferente. Há serviços que se sujeitam às duas retenções, há outros que somente tem Imposto de Renda Retido na Fonte e alguns que somente tem Contribuições Sociais Retidas na Fonte.
Tomadores de serviço optantes pelo Simples Nacional devem efetuar a retenção do IRRF. Contudo, são dispensados de efetuar a retenção de CSRF (mas podem fazê-la, se assim desejarem).
A retenção das contribuições sociais (CSRF) sempre acontece pelo regime de caixa, pelo efetivo pagamento. Já a retenção do imposto de renda (IRRF) pode ser pelo pagamento, no caso de pagamentos efetuados a pessoa física. Contudo, nos serviços de jurídica para jurídica, a retenção ocorre pelo crédito ou pagamento, o que ocorrer primeiro… e normalmente o crédito ocorre primeiro.
Como trabalhar plenamente na escrituração contábil, na conciliação das contas, na verificação dos balancetes ou balanços patrimoniais, sem minimamente entender o que é que está acontecendo?
Agora sim, vamos contabilizar
Enxergando o que está acontecendo, fica fácil deduzir os lançamentos contábeis em retenções sobre estes serviços.
Pensando numa prestação de serviço de pessoa jurídica para pessoa jurídica de direito privado, em que o tipo de serviço se submeta ao IRRF e à CSRF e a qualificação das pessoas confirme a existência das duas retenções, teríamos o seguinte:
Ao haver a prestação do serviço, com pagamento a prazo:
O prestador do serviço escritura:
D – Clientes a Receber (AC);
D – IRRF a Recuperar (AC);
C – Receita (Resultado).
Isso acontece porque o prestador de serviço aufere a receita, tendo um direito a receber o valor. Contudo, parte do valor não será recebido em dinheiro, mas através de uma retenção sofrida, que poderá aproveitar para deduzir quando apurar o IRPJ.
Já o tomador do serviço escritura:
D – Despesa (Resultado);
C – Contas a Pagar (PC);
C – IRRF a Recolher (PC).
Isso acontece porque o tomador do serviço incorre com a despesa, tendo a obrigação de pagar o valor. Contudo, parte do valor não será pago em dinheiro, mas recolhendo um DARF da retenção efetuada.
– Mas, Caio, e a retenção das Contruções?
Aqui entra uma diferença substancial. Como ainda não houve o pagamento, não houve efetivamente a retenção das contribuições sociais, pois não ocorreu o seu fato gerador. Quando do pagamento pelo serviço:
O prestador do serviço escritura:
D – Banco (AC);
D – CSRF a Recuperar (AC)*;
C – Cliente a Receber (AC).
Isso ocorre porque o prestador recebe efetivamente o dinheiro, dando baixa no direito a receber, mas também recebe parte disso não em dinheiro, mas na retenção das contribuições sociais, que poderá aproveitar para deduzir de PIS, COFINS e CSLL apurados.
* Alternativamente, poderia desmembrar o valor da CSRF retida em três contas: PIS a Recuperar, COFINS a Recuperar e CSLL a Recuperar.
Já o tomador do serviço escritura:
D – Contas a Pagar (PC);
C – CSRF a Recolher (PC);
C – Banco (AC).
Isso ocorre porque o tomador efetivamente paga o dinheiro, quitando sua obrigação. Contudo, parte dessa obrigação é cumprida não pagando em dinheiro, mas com a obrigação de recolher um DARF da retenção das contribuições sociais.
É só isso?
Sinceramente, não. Cada um desses pontos poderia ser aprofundado, para entender amplamente quando há ou não a retenção, em que momento ocorre, exceções de dispensa etc. Mas esse artigo tinha dois objetivos:
O primeiro, de servir de guia para você entender a regra geral de como contabilizar as retenções em prestações de serviço. Com esse material, você consegue compreender a dinâmica e a relação entre os dois lados da operação… e eu espero que com bastante clareza.
O segundo e principal objetivo, de abrir sua percepção para a importância de compreender as coisas. Mais do que memorizar débitos e créditos, entender como perceber a realidade para poder representá-la. Esse é, talvez, o grande desafio de um contador de verdade.
E uma vez que esse olhar tenha sido despertado, você irá conseguir enxergar que esses exemplos não falam só de IRRF e CSRF. Eles não falam só de serviços prestados de PJ para PJ. Facilmente você pode aplicar o que aprendeu aqui a outros tipos de retenção e se tornar cada vez mais independente.
No fim das contas, é para isso que eu estou aqui, no meu canal do YouTube e na minha escola para contadores, a Contabilidade Sem Mimimi: para tornar vocês cada vez mais independentes e cada vez melhores no que fazem.
Espero que esse artigo, mais do que lhe responder o lançamento contábil, tenha instigado a uma visão mais profunda do nosso trabalho.
No mais, fique com Deus, um forte abraço e até nosso próximo artigo!