Uma funcionária de uma empresa de investimentos imobiliários em Salvador (BA) acionou a Justiça do Trabalho em 2025 solicitando licença-maternidade e salário-família com base em um vínculo afetivo com um boneco reborn, modelo hiper-realista que simula bebês humanos. O caso foi protocolado na 16ª Vara do Trabalho da capital baiana, mas a autora desistiu do processo após ampla repercussão.
No processo, a recepcionista afirmou exercer papel materno com dedicação afetiva e cotidiana ao que chamava de “filha reborn”, pedindo o afastamento remunerado previsto na legislação. A empresa negou o pedido, e a funcionária alegou ter sido alvo de zombarias e constrangimento no ambiente de trabalho, o que motivou o pedido de rescisão indireta do contrato e indenização por danos morais.
Reborn é classificado como bem móvel pela legislação brasileira
Segundo a advogada Érika de Mello, Head de Relações Trabalhistas no PG Advogados, o caso apresenta dois eixos de análise: um jurídico e outro social. Do ponto de vista legal, o boneco reborn é enquadrado pelo Código Civil (art. 82) como bem móvel, ou seja, um objeto inanimado.
A especialista explica que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê licença-maternidade para esse tipo de situação. Esse direito é garantido à pessoa que passa pelo parto, pelo aborto espontâneo ou que recebe a guarda judicial de uma criança para fins de adoção.
“A legislação visa assegurar os cuidados iniciais com um ser humano dependente, seja por vínculo biológico ou afetivo legalmente reconhecido”, afirma Érika.
Afeto não gera direitos legais quando não envolve seres humanos
Apesar de o ordenamento jurídico reconhecer a parentalidade socioafetiva, esse tipo de relação exige reciprocidade e a existência de seres humanos na relação. Por isso, vínculos com objetos inanimados, como bonecos, animais de estimação ou plantas, não podem ser equiparados legalmente à parentalidade.
“É o mesmo que reconhecer licença-maternidade a quem se diz mãe de uma planta. Embora existam laços afetivos reais, não são equiparáveis aos previstos na legislação”, esclarece a advogada.
Tratamento inadequado no ambiente de trabalho pode gerar indenização
Mesmo com a inviabilidade jurídica do pedido, a conduta da empresa diante da demanda da funcionária também foi questionada. Segundo a advogada, ao tratar com descaso ou expor funcionários a situações vexatórias, a empresa pode responder por danos morais.
“O empregador tem o dever de acolher e tratar com respeito qualquer manifestação de seus colaboradores. Ridicularizar uma demanda pode configurar assédio moral, mesmo que o pedido não tenha fundamento legal”, alerta Érika.
Empresas devem estar atentas à saúde emocional dos empregados
O caso também trouxe à tona a necessidade de abordagens mais humanizadas nas relações de trabalho. A especialista ressalta que situações incomuns devem ser tratadas com empatia, evitando prejuízos reputacionais e financeiros às organizações.
“Pedidos como esse mostram a importância de uma gestão sensível. A empresa pode não atender à demanda, mas precisa garantir um ambiente respeitoso e seguro para todos”, conclui a advogada.
Diante da repercussão do caso e das reações nas redes sociais, a funcionária optou por desistir da ação. O pedido foi aceito pelo juízo da 16ª Vara do Trabalho de Salvador, encerrando o processo sem julgamento de mérito.
Número do processo: 0000457-47.2025.5.05.0016
Com informações adaptadas do Migalhas