Deslocamento para o trabalho: o que diz a CLT e como calcular

Deslocamento para o trabalho: o que diz a CLT e como calcular

A legislação trabalhista brasileira, especialmente após a reforma de 2017, trouxe importantes definições sobre o deslocamento para o trabalho e seu enquadramento na jornada de trabalho. As regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determinam quando o trajeto entre residência e local de trabalho deve ser considerado tempo à disposição do empregador, bem como os critérios para cálculo do adicional de deslocamento em casos de viagens e transferências de cidade.

Deslocamento para o trabalho: conceito e regra geral na CLT

O deslocamento para o trabalho envolve o trajeto realizado pelo empregado entre sua residência e o local onde presta suas atividades profissionais. De modo geral, conforme estabelece o artigo 58 da CLT, esse período não é computado na jornada de trabalho, mesmo que o transporte seja fornecido pelo empregador.

A definição de deslocamento, segundo a CLT, corresponde ao tempo “desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho”, abrangendo qualquer meio de transporte utilizado.

O que mudou com a reforma trabalhista

Antes da reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), o ordenamento jurídico previa o instituto da hora in itinere, considerando como jornada de trabalho o tempo gasto em deslocamento para locais de difícil acesso e não servidos por transporte público regular, desde que o transporte fosse fornecido pela empresa.

Após a reforma, a regra geral foi alterada, e a hora in itinere deixou de ser considerada jornada de trabalho na maioria dos casos, com exceção de situações específicas expressamente previstas em lei ou acordos coletivos.

Conforme explica a doutora em Direito do Trabalho, Cláudia José Abud, embora a reforma tenha suprimido a hora in itinere da jornada regular, ainda existem hipóteses em que o tempo despendido pode ser computado, como:

  • Quando o deslocamento ocorre durante o horário normal de trabalho;
  • Quando o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens (art. 4º da CLT);
  • Quando há atividades em locais de trabalho com regras específicas, como minas subterrâneas (art. 294 da CLT) e trabalhadores ferroviários (art. 244, §3º da CLT).

Projeto de Lei propõe alterações

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 236/2025, que propõe reincluir parte da hora in itinere na jornada de trabalho, especialmente em situações onde o transporte fornecido pela empresa supre a ausência ou insuficiência de transporte público.

Se aprovado, o PL poderá alterar novamente o regime jurídico atual e reintroduzir o pagamento do tempo de deslocamento em determinadas condições.

Situações em que o deslocamento é ou não computado como jornada

Situação Considerado jornada? Justificativa
Deslocamento entre casa e trabalho (ida e volta) Não Regra geral pós-reforma trabalhista
Transporte fornecido pela empresa, sem ordens Não Não há atividade laboral durante o trajeto
Deslocamento com ordens ou execução de tarefas Sim Considerado tempo à disposição do empregador
Viagem corporativa com atividades laborais Sim Relacionado diretamente à execução de serviço
Intervalo entre turnos Não Intervalo não integra a jornada, salvo exceções

Diferença entre deslocamento temporário e permanente

Deslocamento temporário

Ocorre quando o empregado viaja por curtos períodos para desempenhar atividades pontuais em outras localidades. Nesse caso, a empresa deve arcar com as despesas diretamente relacionadas à viagem, tais como:

  • Transporte (passagens, quilometragem, transporte por aplicativo);
  • Hospedagem;
  • Alimentação;
  • Taxas de inscrição em eventos e treinamentos;
  • Despesas com comunicação e materiais de trabalho.

Cabe à empresa definir sua política de reembolso, observadas as boas práticas de compliance trabalhista e fiscal. Não são reembolsáveis gastos pessoais ou não relacionados à atividade laboral.

Deslocamento permanente

Refere-se à transferência definitiva do empregado para uma nova localidade. Nessa hipótese, aplicam-se as normas do artigo 469 da CLT, que impõem:

  • Pagamento do adicional de transferência (mínimo de 25% do salário enquanto durar a situação de deslocamento);
  • Reembolso integral de todas as despesas relacionadas à mudança (art. 470 da CLT);
  • Concessão de prazo mínimo de 30 dias para adaptação do empregado à nova cidade.

Cálculo do adicional de deslocamento

O adicional de deslocamento engloba o reembolso de despesas com viagens e o adicional de transferência, quando aplicável.

  • Adicional de transferência permanente (art. 469, §3º da CLT): 25% sobre o salário contratual enquanto durar a situação de transferência.
  • Despesas reembolsáveis: custos de transporte, hospedagem, alimentação, mudanças e instalação.

É importante destacar que a compensação financeira visa assegurar que o empregado não sofra prejuízo econômico com a mudança de domicílio por interesse exclusivo da empresa.

Documentação necessária para formalizar transferências

A formalização documental é essencial para garantir segurança jurídica e evitar litígios. Entre os principais documentos estão:

  • Aviso formal de transferência;
  • Termo de transferência detalhado;
  • Aditivo contratual com as novas condições;
  • Carta de apresentação (para integração em novas unidades);
  • Notificações legais, quando exigidas por órgãos reguladores.

Transferência e conceito de domicílio

A legislação civil define domicílio como o local onde a pessoa reside com ânimo definitivo. Assim, para caracterizar deslocamento permanente, é necessário que a mudança envolva alteração real de residência.

Transferências entre unidades dentro de uma mesma cidade ou região metropolitana, via de regra, não geram o direito ao adicional de 25%, salvo disposição em norma coletiva.

Decisões judiciais confirmam o entendimento

A jurisprudência também tem contribuído para uniformizar o entendimento sobre o tema. Em recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (RR XXXXX-93.2016.5.04.0521), restou consignado que o tempo de deslocamento entre cidades vizinhas, quando realizado em favor da empresa, deve ser computado como tempo de trabalho.

Esse entendimento reforça o conceito de que o fator determinante não é a distância, mas sim o fato do empregado estar à disposição do empregador.

Riscos legais em caso de descumprimento

A não observância das regras legais sobre deslocamento pode gerar:

  • Ações trabalhistas por pagamento de horas extras indevidas;
  • Autuações fiscais por não pagamento do adicional de transferência;
  • Questionamentos sobre descumprimento contratual;
  • Passivos previdenciários.

Por isso, recomenda-se que o setor de Recursos Humanos, com apoio jurídico e contábil, mantenha políticas claras de deslocamento e transferência, alinhadas com a legislação vigente e com eventuais normas coletivas aplicáveis.

A CLT estabelece regras objetivas sobre deslocamento para o trabalho, definindo quando o trajeto configura jornada e quando gera direito a compensação financeira. Com a reforma de 2017, a hora in itinere foi restrita, mas ainda há hipóteses em que o deslocamento integra a jornada. Empresas devem adotar controles adequados, formalizar transferências e garantir a observância dos direitos trabalhistas, minimizando riscos legais e financeiros.

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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