Entre a tecnologia e a legalidade: Os desafios do ponto eletrônico no celular pessoal do trabalhador
Com a modernização necessária das regras para a fabricação dos controles dos pontos eletrônicos a partir de 2021, impulsionada pela publicação da Portaria nº 671/2021 pelo MTE, surgiram diversas opções tecnológicas para o controle da jornada de trabalho. Muitas empresas passaram a adotar aplicativos instalados nos dispositivos pessoais dos próprios trabalhadores para esse fim. Em um cenário de transformação digital, busca por eficiência e redução de custos, essa abordagem pode parecer atraente: basta que o funcionário instale o aplicativo, e o controle de ponto estaria resolvido. No entanto, é fundamental questionar se essa prática é realmente segura do ponto de vista jurídico.
Sempre fui grande defensora da atualização das regras aplicáveis aos controles eletrônicos de jornada. Passados esses mais de três anos da edição da portaria ministerial, me proponho a tecer uma análise do momento atual, sob aspectos técnicos e legais envolvidos neste contexto, destacando os riscos operacionais e a fragilidade jurídica que o uso de dispositivos pessoais pode representar para o empregador.
O que, à primeira vista, parece uma solução moderna e econômica pode, na prática, revelar-se uma fonte de vulnerabilidades legais, descumprimentos fiscais e passivos trabalhistas. A legislação trabalhista brasileira é complexa e de difícil compreensão para grande parte dos empregadores. No caso dos controles eletrônicos, o cenário é ainda mais complicado: trata-se de um tema que exige conhecimento multidisciplinar nas áreas do direito trabalhista, na sua aplicação em face às regras técnicas dos sistemas eletrônicos, em questões operacionais internas das empresas e de relações do trabalho.
Voltando à discussão sobre adotar o celular pessoal do trabalhador como ferramenta de registro de ponto: neste caso, estaria a empresa transferindo ao empregado uma responsabilidade que é sua, por lei? O controle de jornada é uma obrigação do empregador, sendo, portanto, ele quem deve fornecer os meios adequados para esse fim. Ainda que se entenda que, ao contratar a tecnologia, o empregador esteja cumprindo essa obrigação, o atendimento não se dá de forma plena, pois a eficácia da solução depende, nesse modelo, dos recursos particulares dos funcionários para se tornar viável.
Juridicamente, essa prática pode representar um problema, à medida que a jurisprudência dos Tribunais do Trabalho tem reconhecido o direito do empregado à indenização pelo uso de celulares para fins laborais, especialmente quando há despesas com aquisição de aparelhos e contratação de planos de dados.
Do ponto de vista técnico, também há aspectos bastante sensíveis. Um exemplo é a forma como determinadas estratégias tecnológicas podem comprometer a segurança jurídica das empresas. Um recurso comum é a utilização da geolocalização dos celulares como barreira para a marcação do ponto, permitindo o registro apenas no local de trabalho previamente determinado pela empresa. Em princípio, esse recurso pode ser considerado ilegal, por restringir o direito do trabalhador de registrar a jornada efetivamente realizada. Além disso, vale destacar que as tecnologias de geolocalização são facilmente manipuláveis. Assim, um mecanismo que, teoricamente, deveria oferecer maior segurança ao empregador pode, por estar vinculado a um dispositivo pessoal — fora de um ambiente corporativo controlado —, validar registros inverídicos.
A legislação não determina a forma exata como os sistemas devem ser construídos, pois há liberdade econômica para o desenvolvimento de sistemas; contudo, estabelece os princípios que esses sistemas devem observar: temporalidade, integridade, autenticidade, irrefutabilidade, pessoalidade e auditabilidade.
A ausência de conformidade com esses princípios pode comprometer a validade dos registros de ponto, especialmente em contextos fiscais ou judiciais, resultando em questionamentos legais e potenciais sanções para a empresa. Daí a importância de que as empresas entendam que o controle de ponto vai muito além de uma solução tecnológica; trata-se de uma estratégia essencial para a sua proteção legal e a manutenção de relações de trabalho equilibradas.
Optar por soluções aparentemente mais simples, práticas ou econômicas, sem considerar o controle efetivo, a segurança e a conformidade legal, pode expor a organização ao risco de disputas judiciais e custos significativos ao longo do tempo.