No fim de janeiro, a Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.463/2021, que prevê a possibilidade de escritórios de contabilidade formalizarem contratos de parceria com contadores e técnicos em contabilidade. A proposta contempla tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas que prestam serviços no segmento contábil. A iniciativa visa modernizar e adequar as relações de trabalho no setor, atendendo às demandas corporativas e empresariais em constante transformação.
Objetivos e justificativa do PL 4.463/2021
A principal finalidade do PL 4.463/2021 é alinhar a legislação vigente às dinâmicas dos escritórios de contabilidade, ampliando alternativas de contratação e otimizando processos de atendimento ao cliente.
De acordo com o texto, a regulamentação das parcerias entre profissionais contábeis e escritórios reflete a necessidade de acompanhar mudanças no ambiente de negócios e nas obrigações acessórias impostas pelo poder público.
O projeto é justificado pela busca de maior eficiência no setor. O argumento central dos defensores da proposta é que os escritórios de contabilidade necessitam de métodos mais flexíveis de contratação para responder às exigências do mercado, principalmente diante de inovações tecnológicas e do aumento das demandas regulatórias.
Tramitação e histórico legislativo
O PL 736/2023 foi apensado ao PL 4.463/2021, sem que houvesse apresentação de emendas específicas a nenhum dos dois textos. Em seguida, um substitutivo foi formulado e, posteriormente, aprovado pela Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados. Ainda resta a análise por outras Comissões, incluindo a de Constituição e Justiça, para verificar a compatibilidade do texto com o ordenamento jurídico.
Estrutura do contrato de parceria
Pelo texto do projeto, há duas figuras contratuais principais:
- Escritório de contabilidade: responsável por firmar o contrato de parceria e centralizar os pagamentos e recebimentos decorrentes dos serviços de contabilidade prestados. Também cabe ao escritório reter tributos e contribuições sociais referentes à cota-parte definida em contrato;
- Profissional-Parceiro: enquadra-se como pessoa física ou jurídica, podendo ser contador ou técnico em contabilidade, e assume a execução dos serviços acordados.
O PL determina ainda que as obrigações e responsabilidades inerentes à constituição do escritório contábil ficam sob encargo exclusivo do escritório contábil parceiro, sem repassar ao profissional parceiro eventuais passivos administrativos ou fiscais.
No entanto, estabelece-se a responsabilidade solidária na prestação de serviços aos clientes, o que obriga ambas as partes a responder em conjunto perante eventuais falhas ou litígios decorrentes do exercício da atividade profissional.
Responsabilidades tributárias e previdenciárias
O texto destaca a competência do escritório para centralizar pagamentos e recebimentos, cabendo-lhe, consequentemente, reter tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidas pelo profissional-parceiro.
Essa retenção é fundamentada no artigo 121, parágrafo único, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN). A medida objetiva conferir clareza na apuração de impostos e assegurar cumprimento das obrigações acessórias.
Aspectos polêmicos e discussão sobre inconstitucionalidades
A proposta, embora destinada a modernizar as relações de trabalho, apresenta pontos que têm gerado questionamentos por parte de juristas e representantes de categorias profissionais:
- Homologação do contrato: o PL condiciona a validade do contrato de parceria à homologação pelo sindicato da categoria profissional e, se inexistir esse sindicato, pelo órgão regional do Ministério do Trabalho e Emprego. Esse requisito tem sido alvo de questionamentos por possível excesso burocrático e por trazer incertezas quanto ao procedimento em locais onde não há representação sindical estruturada;
- Reconhecimento de vínculo de emprego: o artigo 3º do PL elenca hipóteses em que poderá ser reconhecido o vínculo empregatício, mesmo que a parceria não tenha sido formalmente estabelecida. Críticos apontam que a previsão pode levar a insegurança jurídica, pois abre margem para interpretações subjetivas sobre a existência ou não de relação de emprego;
- Competência da Justiça do Trabalho: o substitutivo ao projeto modificou o artigo 4º para atribuir a competência de resolver litígios decorrentes do contrato de parceria à Justiça do Trabalho, determinando o foro onde o profissional-parceiro esteja localizado. Especialistas ressaltam que a Justiça do Trabalho, em muitos casos, tende a reconhecer a existência de vínculos de emprego, o que pode desestimular a celebração de parcerias caso não haja clareza na aplicação prática dessa competência.
Repercussões e próximos passos
A polêmica em torno do PL 4.463/2021 gera uma série de reflexões sobre a forma como as relações de trabalho estão se reconfigurando no setor de contabilidade. Se, por um lado, há expectativa de modernização, de outro, apontam-se risco de insegurança jurídica e possíveis conflitos na definição de direitos e obrigações.
A tramitação agora segue para outras comissões internas da Câmara dos Deputados, com destaque para a Comissão de Constituição e Justiça, que deverá avaliar a compatibilidade do texto com a Constituição Federal. O objetivo é garantir que não sejam criados dispositivos que vulnerem direitos trabalhistas ou que desestimulem a formalização de parcerias legítimas.
O projeto de lei em questão propõe inovações na forma de contratação e prestação de serviços contábeis no Brasil, permitindo que escritórios de contabilidade e profissionais contábeis ajustem-se às transformações do mercado.
Apesar das intenções de acompanhar a evolução corporativa, há preocupações acerca das exigências de homologação, das hipóteses de reconhecimento de vínculo empregatício e da competência designada à Justiça do Trabalho.
Analistas e representantes de entidades de classe recomendam debate aprofundado e ampla divulgação das implicações do PL, para que sejam corrigidos eventuais pontos que comprometam sua eficácia e para que se assegure a devida segurança jurídica aos envolvidos.
A expectativa é de que, até a votação final, sejam promovidas discussões capazes de equilibrar os interesses dos escritórios de contabilidade, dos profissionais-parceiros e das instituições responsáveis pela fiscalização das atividades contábeis.
A aprovação definitiva do projeto e sua sanção podem trazer impactos significativos para a organização das relações trabalhistas na área contábil, reforçando a importância do acompanhamento por parte de advogados, contadores, empresários e órgãos de classe.
Ainda serão necessários ajustes para garantir que o regime de parceria seja eficaz, transparente e coerente com os princípios constitucionais e trabalhistas vigentes no país.