Gestão fiscal e contabilidade pública: reflexões sobre o cenário brasileiro em 2023

Gestão fiscal e contabilidade pública: reflexões sobre o cenário brasileiro em 2023

A contabilidade pública desempenha um papel essencial na administração financeira do setor público, garantindo a transparência e a responsabilidade fiscal dos entes governamentais. A evolução do arcabouço normativo, com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a implementação do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), consolidou a contabilidade pública como uma ferramenta crucial para a governança. Segundo Gouveia (2021), “a contabilidade pública não apenas monitora a execução orçamentária, mas também desempenha um papel estratégico na formação de políticas públicas” (p. 45).

Este artigo visa discutir a situação financeira recente dos entes públicos no Brasil, destacando os dados consolidados pelo Tesouro Nacional e a importância da análise de balanços patrimoniais para a formulação de políticas públicas sustentáveis. A necessidade de uma gestão fiscal responsável e transparente torna-se cada vez mais evidente, especialmente em tempos de crise econômica e social.

Desempenho Fiscal e Análise de Balanços em 2023

A análise dos dados do Balanço do Setor Público Nacional (BSPN), divulgado pelo Tesouro Nacional, revela um cenário complexo e desafiador para a gestão fiscal em 2023. Os resultados financeiros, patrimoniais e orçamentários proporcionam uma visão abrangente da saúde financeira dos entes federativos.

Balanço Patrimonial

Em 2023, o ativo total do setor público alcançou R$ 10,3 trilhões, representando um aumento de 8,19% em relação ao ano anterior, que foi de R$ 9,5 trilhões. Este crescimento reflete investimentos em infraestrutura, saúde e educação, além da valorização de ativos imobiliários e equipamentos públicos. Conforme dados do Tesouro Nacional (2023), “os investimentos em infraestrutura pública são essenciais para o desenvolvimento sustentável e para a melhoria da qualidade de vida da população” (p. 67).

Por outro lado, o passivo total subiu 17,65%, atingindo R$ 17,2 trilhões, comparado aos R$ 14,75 trilhões registrados em 2022. O crescimento do passivo é atribuído principalmente a:

  • Aumento da dívida pública: Com a necessidade de financiar déficits orçamentários crescentes, a dívida bruta alcançou R$ 7,76 trilhões, correspondendo a cerca de 75,3% do PIB. A pressão para rolar essa dívida se intensificou devido ao aumento das taxas de juros, que tornam o custo do serviço da dívida mais elevado (Banco Central do Brasil, 2023);
  • Obrigações previdenciárias: O Brasil enfrenta um envelhecimento populacional que pressiona o sistema previdenciário, contribuindo significativamente para o aumento das obrigações de longo prazo. As despesas com aposentadorias e pensões têm representado uma parte substancial das despesas totais, limitando a capacidade do governo de investir em outras áreas.

O saldo negativo do patrimônio líquido da União, de R$ 5,586 trilhões, sinaliza a urgência de reformas estruturais para melhorar a saúde fiscal. Como destaca Lima (2022), “o déficit patrimonial evidencia a insustentabilidade do modelo atual, que não consegue equilibrar receitas e despesas de forma eficaz” (p. 34).

Balanço Orçamentário

O balanço orçamentário de 2023 indicou um déficit primário de R$ 100 bilhões, superando as projeções iniciais do governo, que esperava um resultado mais equilibrado. As despesas obrigatórias, que incluem previdência, folha de pagamento e transferências constitucionais, continuam a representar mais de 90% das despesas primárias, restringindo a margem de manobra fiscal do governo. Para lidar com esse déficit, o governo implementou algumas medidas, como:

  • Cortes em investimentos e programas sociais, o que, embora necessário em termos fiscais, levanta preocupações sobre o impacto a longo prazo na qualidade de vida da população e no crescimento econômico. Segundo Silva (2023), “a redução de investimentos em áreas essenciais pode comprometer o desenvolvimento econômico e social, criando um ciclo vicioso de pobreza e exclusão” (p. 89);
  • Emissão de títulos públicos, uma estratégia que aumentou o custo da dívida devido ao cenário de alta de juros, colocando mais pressão sobre as contas públicas e reduzindo a capacidade de investimento em áreas essenciais.

Balanço Financeiro

No que se refere ao balanço financeiro, o estoque de créditos tributários e dívida ativa alcançou R$ 5,51 trilhões, mas somente 16% desse valor foi considerado recuperável, indicando uma ineficiência significativa na arrecadação tributária e na gestão de receitas (Tesouro Nacional, 2023). A baixa taxa de recuperação de tributos é preocupante, pois limita o potencial de receita do governo, obrigando-o a depender cada vez mais de endividamento para financiar suas operações.

Além disso, a quantidade de precatórios e demandas judiciais pendentes, estimada em R$ 393 bilhões, aumenta a pressão sobre as finanças públicas e torna as previsões orçamentárias ainda mais desafiadoras. Essas obrigações não apenas consomem recursos, mas também geram incerteza sobre a execução orçamentária futura.

Gestão da Dívida Pública

O gerenciamento da dívida pública é uma das principais preocupações da administração fiscal. Em 2023, a gestão da dívida enfrentou desafios significativos, com um aumento contínuo na necessidade de rolagem da dívida, exacerbado pela alta dos juros. As taxas de juros alcançaram 12,75% ao ano, um aumento que tem um impacto direto nos custos do serviço da dívida, elevando os gastos com juros a níveis preocupantes (Banco Central do Brasil, 2023).

O governo tem tentado otimizar a estrutura da dívida, buscando a extensão de prazos e a utilização de instrumentos financeiros que minimizem o impacto das taxas de juros variáveis, mas a situação econômica global e as incertezas políticas internas tornam o planejamento fiscal um desafio constante. “Um gerenciamento eficiente da dívida é crucial para evitar crises de liquidez e garantir a solvência do Estado” (Martins, 2022, p. 76).

Conclusão

O cenário contábil e financeiro do setor público brasileiro em 2023 revela um quadro de desafios significativos e a necessidade urgente de uma gestão fiscal mais eficiente. O aumento desproporcional dos passivos em relação aos ativos, a elevação da dívida pública e o déficit orçamentário crescente indicam que a atual trajetória fiscal não é sustentável.

Para garantir a saúde das finanças públicas e promover um crescimento sustentável, é essencial implementar reformas estruturais, especialmente nas áreas previdenciária e tributária, além de melhorar a eficiência da arrecadação. A transparência fiscal, garantida por relatórios como o BSPN, é um passo fundamental para aumentar a confiança nas finanças públicas e orientar os ajustes necessários. O futuro da gestão fiscal no Brasil dependerá da capacidade do governo de equilibrar a expansão dos investimentos com a contenção de despesas, assegurando a responsabilidade fiscal e a prestação de serviços essenciais à população.

Referências

Banco Central do Brasil. Relatório de Política Monetária – 2023.Gouveia, J. (2021). A contabilidade pública como instrumento de gestão. Revista Brasileira de Contabilidade, 25(1), 40-55.Lima, R. (2022). Desafios da sustentabilidade fiscal no Brasil. Revista de Administração Pública, 56(2), 31-45.  Martins, T. (2022). Gestão da dívida pública: desafios e soluções. Cadernos de Finanças Públicas, 18(3), 74-82.Silva, M. (2023). Impactos da austeridade fiscal nas políticas sociais. Revista de Políticas Públicas, 12(4), 85-100.Tesouro Nacional. Relatório Contábil de 2023.Tesouro Nacional. Balanço do Setor Público Nacional 2023.

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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