Prezado contador leitor, seu cliente talvez ignore o mais significativo e abrangente incentivo federal à inovação dentre os diversos disponíveis para empresas no Brasil. Estamos falando da Lei do Bem, como é conhecida a Lei n.º 11.196, de 2005, e, em especial, da regulamentação dada pelo Decreto n.º 5.798, de 2006, e pela Instrução Normativa RFB n.º 1.187, de 2011. A Lei do Bem é surpreendentemente subutilizada. Trata-se de um conjunto de incentivos fiscais (ver Quadro 1) para empresas que realizam inovação tecnológica, os quais oferecem uma oportunidade valiosa para impulsionar projetos inovadores e sustentar o crescimento no cenário competitivo atual (ver o conceito de inovação tecnológica no Quadro 2).
O Brasil é um dos últimos colocados no ranking mundial de inovação, índice global elaborado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), ocupando a 49ª posição. Porém, reclamar da falta de recursos financeiros para impulsionar nossas ideias e projetos não nos levará a lugar algum. De acordo com um estudo realizado pela PierX, uma startup de democratização dos incentivos, das 194.000 empresas operando em regime de lucro real no Brasil, apenas cerca de 3.500 aproveitam os incentivos fiscais para inovação oferecidos pela Lei nº 11.196. Uma oportunidade perdida que revela a urgente necessidade de conscientização e ação entre os empresários brasileiros.
Alguns podem argumentar que a maioria dessas empresas não se engaja em atividades inovadoras, mas isso está longe da verdade. Se não estivessem constantemente inovando, dificilmente teriam chegado até aqui. Muitas não apuram lucro fiscal, que é um dos requisitos para acessar os principais incentivos da Lei do Bem. No entanto, mesmo se aceitarmos essa premissa, ainda sobram mais de 50.000 empresas inovadoras e lucrativas, número mais de dez vezes maior do que o atual aproveitamento dos incentivos fiscais disponíveis. É mais do que hora de ampliar o conhecimento sobre esses benefícios.
Mas por que isso acontece? Nossas observações ao longo de mais de 30 anos de atuação com incentivos fiscais à inovação nos permitem levantar algumas hipóteses:
Desconhecimento
Muitos gestores e contabilistas, por falta de informação adequada, acreditam erroneamente que a Lei do Bem não se aplica às suas operações ou que pode atrair mais fiscalizações da Receita Federal do Brasil. Essa lacuna de conhecimento é, de certa forma, agravada pelo receio subjacente, entre os líderes públicos, de que promover tais benefícios poderia impactar negativamente as finanças do país.
Indefinição de responsabilidades
Outro desafio é a indefinição sobre quem deve liderar a implementação dos incentivos fiscais nas empresas. Embora a engenharia esteja mais próxima dos projetos de inovação, muitas vezes falta a essa área o conhecimento tributário e contábil necessário. A responsabilidade poderia recair sobre o departamento de tributos, mas isso exigiria uma colaboração estreita e contínua com as equipes técnicas. No mundo ideal, a área financeira deveria assumir esse papel, mas, como os benefícios fiscais são percebidos como um ganho pós-lucro, muitas vezes não há incentivo direto ou reconhecimento para os profissionais financeiros se envolverem ativamente nesse processo. Executivos não são cobrados e bonificados pelos resultados trazidos por benefícios fiscais.
O papel dos contadores
Os contadores, com sua visão abrangente da empresa, poderiam ser agentes de mudança nesse cenário. No entanto, a complexidade e a necessidade de uma descrição detalhada dos projetos inovadores vão além da simples análise numérica, o que pode dificultar o protagonismo desses profissionais. Também é essencial conhecer as particularidades de cada projeto. Sem esse conhecimento, os contadores podem desencorajar o uso desses incentivos.
Autoavaliação da inovação
Uma questão fundamental é como as empresas se percebem em termos de inovação. Muitas vezes identificamos uma espécie de “Síndrome do Patinho Feio”: a maioria é muito mais inovadora do que acha que é. Subestimam suas próprias atividades inovadoras, categorizando-as como qualquer coisa, exceto inovação tecnológica. Um exemplo: uma grande fabricante de pneus considerava o trabalho de campo de seus engenheiros como assistência técnica, quando, na realidade, essas atividades eram parte essencial do processo de melhoria contínua do produto. Reconhecer e classificar corretamente as atividades como inovação é crucial para acessar os benefícios fiscais correspondentes.
As atividades inovadoras envolvem riscos, mas são fundamentais para a competitividade e o crescimento das empresas. É justo e necessário que o governo apoie essas iniciativas, permitindo que as empresas assumam riscos e inovem com confiança.
Um estudo conduzido em 2017 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) do MCTI chegou a uma descoberta reveladora. Ao comparar diretamente o montante de impostos recolhidos sobre produtos inovadores (com menos de três anos de mercado) com a renúncia fiscal concedida às empresas que os desenvolveram, verificou-se que o total de impostos arrecadados diretamente desses produtos inovadores era quatro vezes superior ao valor da renúncia fiscal envolvida. Na época, isso nos levou a questionar o termo “renúncia fiscal” aplicado aos benefícios da Lei do Bem, sugerindo uma nova perspectiva: esses incentivos deveriam ser vistos como um investimento estratégico do governo federal para aumentar a arrecadação de impostos diretos.
Mesmo as empresas que utilizam incentivos acabam “deixando dinheiro em cima da mesa”. Um estudo conduzido por nossa equipe de consultores com 35 empresas que se beneficiam dos incentivos fiscais para inovação revelou que 96% delas não os exploram em sua totalidade. Ou seja, mesmo quando recorrem à Lei do Bem, não conseguem maximizar o potencial financeiro disponível.
Nesse cenário, como podemos superar o impasse e fomentar uma aceleração mais efetiva da inovação no país por meio dos incentivos fiscais?
Temos uma proposta para destravar o uso de incentivos à inovação: criar um comitê multidisciplinar de inovação ou de incentivo à inovação dentro das organizações. Deveriam fazer parte desse comitê as várias áreas envolvidas, contando com o apoio de especialistas que esclarecessem dúvidas e dissipassem as inseguranças naturais de utilizar um incentivo complexo como Lei do Bem. Com mais incentivo, mais inovação e mais empresas valorizando o que fazem de inovador, certamente teremos um ambiente de negócios mais competitivo e atraente para tecnólogos e engenheiros brasileiros, estimulando a geração de riqueza de forma mais ampla e sustentável.
É essencial que os profissionais de contabilidade e as empresas brasileiras se mobilizem para aproveitar ao máximo a Lei do Bem e os diversos outros incentivos e fomentos oferecidos pelo governo federal. Essa é uma oportunidade valiosa não apenas para o crescimento individual das empresas, mas também para a transformação do Brasil em um país reconhecido por sua capacidade inovadora.
Enfrentar e superar os desafios associados à utilização desses incentivos é crucial para deixarmos para trás a posição desconfortável de nação pouco inovadora, o que hoje nos causa tanto desconforto. Com determinação, colaboração e compromisso renovado com a inovação, poderemos, coletivamente, construir um futuro mais próspero e competitivo para o nosso país.
Por Valter Pieracciani, membro da Comissão Permanente de Tecnologia e Inovação do CFC