Incidência de IOF sobre o mútuo conversível

Incidência de IOF sobre o mútuo conversível

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de uma matéria com desdobramentos relevantes para empreendedores e investidores, julgando o Recurso Extraordinário nº 590.186, que reconheceu a constitucionalidade da incidência do IOF em operações de mútuo para além daquelas realizadas por instituições financeiras. A tese fixada foi a seguinte: “É constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.

O tema começou a ser julgado em 2008, e desde então aguardava uma resolução por parte do STF. De lá para cá, o assunto foi enfrentado por diversas vezes no CARF (pesquisa realizada com os termos “Mútuo” e “IOF” retorna quase 200 acórdãos de 2009 a 2023), demonstrando grau de litigiosidade e controvérsia que, agora, ficam resolvidas.

Dada a relevância do assunto, é interessante entender as questões jurídicas em discussão e as consequências para o cenário de investimentos privados (especialmente em startups).

1.As questões jurídicas envolvidas

O Recurso Extraordinário nº 590.186/RS foi interposto contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que reconheceu válida a cobrança de IOF sobre contrato de mútuo firmado entre empresas do mesmo grupo econômico.

O contribuinte, então, buscou o STF para ver reconhecida a impossibilidade da cobrança, sustentando o seguinte:

  • A Constituição estabelece que o IOF será cobrado apenas sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”, o que significaria que somente os empréstimos realizados por instituições financeiras estariam sujeitos ao imposto;
  • Com base nisso, argumentava-se que seriam inconstitucionais o art. 2º, inciso I, alínea “c”, do Decreto Federal nº 6.306/2007 e o art. 13 da Lei Federal nº 9.779/1999, que estabeleceriam a incidência do imposto sobre operações de crédito em que qualquer pessoa jurídica figurasse como mutuante (ou seja, emprestando valores).

Ao analisar o tema, o STF decidiu que a expressão “operação de crédito”, prevista na Constituição, inclui os empréstimos realizados entre pessoas jurídicas, “já que se trata de negócio jurídico realizado com a finalidade de se obter, junto a terceiro e sob liame de confiança, a disponibilidade de recursos que deverão ser restituídos após determinado lapso temporal, sujeitando-se aos riscos inerentes” (RE nº 590.186, Rel. Min. Cristiano Zanin, j. 09.10.2023, DJe 17.10.2023).

É importante registrar que esse posicionamento já vinha sendo seguido pelo CARF há muitos anos, mas que a grande relevância da decisão do STF reside no fato de ter sido proferida em sede de repercussão geral, o que significa que é de observância obrigatória para todos os tribunais do país e para as autoridades tributárias.

Além disso, ao resolver definitivamente a controvérsia, não é mais possível ao contribuinte questionar a cobrança do imposto. É necessário, portanto, se planejar, e pensar em alternativas para a utilização do contrato de mútuo – especialmente quando utilizado como captação de investimento, como é o caso do mútuo conversível em participação societária.

2. Consequências da decisão do STF para startups

Uma das mais populares ferramentas de captação de investimentos para startups em early stage é o contrato de mútuo conversível em participação societária. Por meio do mútuo conversível, o investidor empresta determinado valor a uma empresa para receber futuramente a restituição do valor acrescido dos juros contratualmente estipulados (como em um empréstimo tradicional), mas, sob determinadas circunstâncias pactuadas, poderá converter a dívida em participação societária.

Porém, apesar de largamente utilizado, o mútuo conversível não é necessariamente a melhor opção para a captação de investimentos.

Em primeiro lugar, a incidência do IOF (tanto na modalidade IOF-Crédito quanto na modalidade IOF-Câmbio, caso o mutuário resida no exterior) sempre foi um ponto de fragilidade do mútuo conversível, mesmo antes da decisão do STF (como era explicado por Bruno Feigelson, Erik Fontenele Nybo e Victor Cabral Fonseca na obra “Direito das Startups”). Com a decisão do STF, então, fica afastada qualquer dúvida sobre a incidência tributária, o que tende a tornar o mútuo conversível menos atrativo para startups do ponto de vista tributário.

E, desde a publicação do Marco Legal das Startups, autores como Saulo Michiles vêm insistindo na necessidade de serem construídos outros tipos de contratos de investimento que fujam da estrutura do mútuo conversível, ainda mais importante após a decisão do STF, não apenas pelo custo tributário, mas também pela complexidade e custo de algumas das cláusulas contidas neste instrumento.

O Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021) prevê que empresas inovadoras poderão captar recursos por meio dos seguintes instrumentos:

Art. 5º As startups poderão admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes.

§1º Não será considerado como integrante do capital social da empresa o aporte realizado na startup por meio dos seguintes instrumentos:

I – contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa;

II – contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa;

III – debênture conversível emitida pela empresa nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

IV – contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa;

V – estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa;

VI – contrato de investimento-anjo na forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006;

VII – outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa.

Existe, portanto, um amplo leque de opções para que startups captem investimentos, cada qual com suas forças e fraquezas. A escolha pelo mútuo conversível, assim, deverá ser feita apenas quando nenhuma alternativa se mostrar viável para a operação a ser realizada (mas não mais como a primeira opção de contrato, como costuma ocorrer), e que todas as partes envolvidas compreendam perfeitamente os custos tributários e societários envolvidos.

Fonte: https://www.contabeis.com.br

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