No nosso artigo “O erro que (quase) toda contabilidade tem”, conversamos sobre o impacto do princípio contábil da competência na forma de fazer os lançamentos contábeis cotidianos. Hoje, ainda explorando esse princípio, vamos entender o lançamento mais clássico de todos: a operação de venda.
Sem receita, não tem jogo
Independente do nicho, segmento, ramo ou até mesmo tipo de pessoa jurídica, o fato é que toda entidade precisa de receita. Até mesmo as entidades sem fins lucrativos, ainda que não busquem lucro, precisam de receitas. Do contrário, não há recursos para cumprir seus objetivos sociais.
Claro que tão importante quanto aumentar receitas, é controlar custos. Uma empresa que tenha boas margens certamente tem mais chances de prosperar que uma empresa que busca aumentar suas receitas a qualquer preço. Contudo, sem receita, não tem jogo: sem receitas, não há recebimentos, fluxo de caixa, enfim… não há oxigênio no organismo.
Mas… como lança?
Antes de falar sobre o lançamento contábil, em si, acho importante explicar o princípio contábil que vai nortear essa contabilização. Lá no outro artigo, já conversamos sobre o caput do art. 9º da Resolução CFC 750/93, lembra? Ele fala o seguinte:
O Princípio da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou pagamento.
Também já falei sobre como essa Resolução foi, infelizmente, revogada, e temos que lidar agora com esse princípio dissolvido na estrutura conceitual (CPC 00) e nas orientações para elaboração das demonstrações contábeis.
Mas deixa isso tudo pra lá, porque o que eu quero mesmo é olhar o parágrafo único desse dispositivo, que ainda não observamos. Lá diz o seguinte:
O Princípio da Competência pressupõe a simultaneidade da confrontação de receitas e de despesas correlatas.
Tendo isso em mente, agora sim podemos montar o lançamento contábil de uma venda, talvez o mais recorrente de uma rotina contábil.
Lançando as receitas
Pela primeira parte do dispositivo, temos a informação de que as receitas são lançadas quando auferidas, independente do recebimento. Isso significa que seja a venda à vista ou a prazo, o que importa é observar se foi executada a obrigação contratual.
Se houve a prestação do serviço, a venda da mercadoria, a venda do produto… pouco importa se recebeu ou não, o relevante, para a contabilidade, é se a entidade cumpriu a sua obrigação para com o cliente. Se isso ocorreu, teremos o reconhecimento da receita.
Com essa receita, nasce um ativo: um direito a receber o valor dessa contratação. Ou seja, se a receita foi auferida, independente de ter sido recebida, teremos:
D – Cliente (AC)
C – Receita (Resultado)
Lançando os custos e as despesas
Agora vem a parte mais divertida. Para a receita acontecer, houve um esforço da empresa. Um sacrifício, sem o qual a receita não aconteceria. Esse é um conceito para explicar o custo, que nada mais é do que despesas com uma função específica.
Para facilitar a nossa vida, vamos pensar num comércio. Claro que indústrias e prestadoras de serviço também têm custos, mas o comércio é o exemplo mais simples, claro, que qualquer pessoa, mesmo recém iniciado na Contabilidade, pode acompanhar.
Imagine que um comércio comprou calçados para vender. Se os calçados estão disponíveis para venda (e vender calçados é a atividade da empresa), esses calçados compõem o estoque de mercadorias para venda. E esse grupinho, com os calçados disponíveis para venda ficam lá no ativo. Assim, nessa compra do estoque teríamos:
D – Estoque (AC)
C – Fornecedores (PC)
E observe, a compra do estoque também segue o princípio da competência. Isso porque, independente de já ter pagado pelo estoque ou não, já se cumpriu a obrigação daquela relação contratual (entre o comprador e o vendedor). Se vai pagar o boleto ou não, são outros quinhentos.
Quando acontece a receita de venda de um sapato, por exemplo, ao mesmo tempo se “realiza” o custo dessa venda. Ou seja, o estoque, que estava disponível para venda, é realizado, cumpre a sua missão, que é deixar de ser um ativo para a empresa e se concretizar como o custo (o sacrifício) para que aquela venda pudesse acontecer.
Daí temos o lançamento clássico:
D – Cliente (AC)
C – Receita (Resultado)
A receita auferida na venda do calçado
D – Custo (Resultado)
C – Estoque (AC)
A baixa do estoque, virando Custo de Venda de Mercadoria
É exatamente isso que significa aquele parágrafo único: as receitas e despesas correlatas acontecem ao mesmo tempo… em conjunto… juntinhas.
Você acha que acabou por aí?
Agora, para avançar ainda mais, podemos pensar em outras despesas que acontecem diretamente relacionadas à receita de venda e que, portanto, devem ser reconhecidas no mesmo ato.
Se, ao vender, a loja incorre com uma despesa de frete por sua conta, por exemplo, essa despesa comercial deve ser reconhecida no mesmo momento:
D – Despesa com Frete (Resultado)
C – Contas a Pagar (PC)
O valor do frete incorrido, independente de já ter sido pago
Além disso, se ao auferir receita de venda, a empresa incorre com despesas relacionadas a tributos sobre receita, como é o caso de PIS e COFINS, estes tributos devem ser reconhecidos também:
D – (-) COFINS (Resultado)
C – COFINS a Recolher (PC)
O valor do débito de COFINS apurada, independente de ser paga só no mês seguinte
Uma base sólida
Talvez lá na faculdade, quando o professor ficava falando desse princípio para você, não fizesse tanto sentido. Talvez soasse como só uma coisa chata que você precisava decorar, pra depois fazer uma prova e esquecer. Mas, se eu posso te dar uma dica, é: dê atenção ao básico.
O básico não recebe esse nome por ser simples. Ele recebe esse nome por ser a base, o fundamento, o lugar de onde se parte para construir algo maior depois. Sobre uma base frágil, nada perdura. Por isso, construa uma base sólida… e a partir dela, tenho certeza que você poderá construir uma carreira duradoura.
Esse é o meu objetivo. É para isso que eu estou aqui com você.