Introdução
Como sabemos o ICMS é o imposto mais oneroso na carga tributária representando 25% do total dos impostos arrecadados no país. Inobstante, o fisco estadual também é devedor, sim devedor, de várias empresas que possuem crédito acumulado deste imposto.
Isto ocorre porque estas empresas recolheram ICMS a mais do que o devido por ocasião de suas compras, não conseguindo compensar integralmente nas vendas, se tornando, portanto, credoras do fisco estadual.
No Estado de São Paulo, a Portaria do Coordenador da Administração Tributária, a Portaria CAT 26/2010 estabelece o Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado, e disciplina a homologação, transferência e ressarcimento do imposto em âmbito administrativo, e portanto, sem a demora e incerteza de uma ação judicial.
Neste trabalho, vamos demonstrar os efeitos contábeis e financeiros nas empresas que acumulam sistematicamente saldo credor de ICMS na sua escrita fiscal, sem ter impetrado, o pedido de apropriação administrativo, no caso das empresas paulistas, no entanto aplicável também a qualquer empresa situada sediada no território brasileiro.
O Pedido Administrativo de Apropriação
Note-se que no Estado de São Paulo, em face do estabelecido na Portaria CAT 26/2010, os pedidos de apropriação do crédito acumulado são mensais, ou seja para cada mês com saldo credor acumulado é realizado um processo administrativo para apropriação do crédito.
Podem ser efetuados tanto na modalidade simplificada, nos termos estabelecidos pela Portaria CAT 207/2009, tanto na modalidade de custeio nos termos da portaria CAT 83/2009.
Além do envio dos arquivos eletrônicos, as petições protocoladas tem o mesmo grau de importância, vez que irão arguir e esclarecer a fiscalização sobre o enquadramento legal da formação do saldo credor de ICMS que se está buscando a aprovação e homologação.
O Prazo para o Pedido de Apropriação de Crédito Acumulado
Sabemos que o fisco efetua a cobrança administrativa, dentro dos últimos cinco anos. Da mesma forma o contribuinte também pode efetuar sua cobrança administrativa no mesmo prazo, ou seja, efetuar os pedidos administrativos de apropriação de crédito acumulado.
Em apertada síntese, tanto a Fazenda Estadual tem cinco anos para cobrar os créditos do contribuinte, quanto o Contribuinte também tem cinco anos para cobrar da Fazenda Estadual os créditos aos quais tem direito, regulam este prazo os conhecidos institutos da prescrição e decadência.
Neste sentido, de forma expressa o Artigo 72-B do Regulamento do RICMS SP/2000 assim dispõe:
“Artigo 72-B – A apropriação do crédito acumulado gerado:
I – …..
IV – não poderá ser requerida para período anterior a 60 (sessenta) meses, contados da data do registro do pedido de apropriação no sistema.
Obrigação Acessória – Envio mensal dos arquivos.
A apresentação destes arquivos deve se dar individualizada, por cada período de apuração do imposto, nos termos do Artigo 6º da Portaria CAT 26/2010.
Logo, sabendo-se que os períodos de apuração do imposto são mensais, concluímos que a apresentação destes pedidos tem o mesmo tratamento das obrigações acessórias, e como tal podem ser efetuados mensalmente, sempre até o último dia seguinte ao mês da geração do saldo credor.
A composição e envio do arquivo digital deverá ser mantida ainda em que determinado período não haja a formação de crédito acumulado, (§ 3º Art. 6º Portaria CAT 26/2010)
Embora, equivalente a obrigação acessória, o envio mensal dos arquivos de crédito acumulado na sistemática do e-CREDAC, caso não ocorra, não possui penalidades previstas pela falta de entrega.
No entanto, o fato do fisco paulista não aceitar a apropriação para período anterior a 60 (sessenta) meses da data do registro do pedido no sistema, somado ao acúmulo sistemático de crédito acumulado pode se tornar um dos mais graves problemas tributários a empresas sujeitos ao acúmulo de crédito.
Estudo de Caso – Prescrição 60 meses prevista no artigo 72 B do RICMS SP:
Vamos tomar por exemplo, uma empresa que acumula mensalmente um milhão de reais de crédito acumulado e cujo início da formação se deu no mês de janeiro de 2013.
Na Gia informativa mensal de dezembro de 2020, transcorridos oito anos, o saldo credor de ICMS acumulado está na casa de oito milhões de reais.
Destes, oito milhões, apenas cinco milhões são passíveis de pedidos de apropriação, por serem relativos aos últimos 60 meses, ou seja, o período compreendido entre janeiro 2016 a dezembro de 2020.
Prescrição Mensal
Neste exemplo, caso os pedidos sejam efetuados em janeiro de 2021, os três milhões restantes estão prescritos, não podendo ser objeto de pedido de apropriação de crédito acumulado, devendo permanecer na escrita fiscal da empresa, ou a seu critério, lançados como custo, não vislumbrando, como até aqui não vislumbrou atividade tributada para utilizá-los.
Em fevereiro de 2021 a empresa poderá retroagir a fevereiro de 2016, em março de 2021 poderá solicitar a partir de março de 2016, e assim sucessivamente. Ou seja, sempre prescrevendo o último mês, de maneiras que a soma dos pedidos não ultrapasse 60 meses.
Contabilização e Efeitos Fiscais
O Crédito Acumulado de ICMS está contabilizado no Ativo Circulante, sob a rubrica Impostos a Recuperar, e contribuiu para a geração do lucro no período mencionado.
Nossa empresa utilizada como exemplo é uma empresa lucrativa, e exerceu na esfera federal a opção de tributação com base na modalidade denominada Lucro Real. Aplica, para tributação dos seus lucros, as seguintes alíquotas:
Alíquotas do Lucro Real Aplicáveis
Nome do Imposto s/ Lucro |
Alíquota |
IRPJ |
15 % |
CSSL |
9 % |
ADICIONAL IR |
10% |
(=) TOTAL |
34 % |
Observação: Estas alíquotas são as alíquotas oficiais constantes no Regulamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – RIR, em seus artigos 623 em diante, disponíveis no site da Receita Federal do Brasil.
Desta forma, os oito milhões de reais contabilizados como saldo credor acumulado de ICMS, contribuíram para a geração até aqui de um lucro fictício no seu balanço.
Este lucro fictício foi responsável, portanto, pela geração de mais 2,72 milhões de impostos sobre o lucro. (8 milhões x 34%). Logo, o desembolso total para constituição contábil do saldo credor de 8 milhões de ICMS, representou a cifra total de 10,72 milhões de reais.
Balanço Patrimonial da empresa Caso Prático Ltda.
Estamos considerando que a sua contabilidade efetuou o lançamento do saldo credor de ICMS no Ativo Circulante na conta Impostos a Recuperar e em contrapartida diminuiu a conta de Custo Mercadorias/Produtos, por ocasião da venda.
Vamos considerar o balanço patrimonial apenas com o valor do crédito acumulado do ICMS, o lucro gerado (diminuição custo) pela constituição deste crédito, e consequente impostos sobre lucro dele decorrentes.
Empresa Caso Prático Ltda.
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Balanço Patrimonial 2020 e Variação Patrimonial Acumulada |
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Considerando apenas a Constituição Contábil do Crédito Acumulado de ICMS |
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Ativo |
Ano de 2020 |
Desde 2013: |
Circulante |
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Impostos a Recuperar – Icms |
1.000.000,00 |
8.000.000,00 |
Total do Ativo |
1.000.000,00 |
8.000.000,00 |
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Passivo |
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Circulante |
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IRPJ a Pagar |
-340.000,00 |
-2.720.000,00 |
Patrimônio Liquido |
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Lucro Acumulado |
-660.000,00 |
-5.280.000,00 |
Total do Passivo |
1.000.000,00 |
8.000.000,00 |
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Demonstrativo de Resultado |
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Custo Mercadoria Vendida |
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(Valor do Imposto a Recuperar diminuido do Custo) |
1.000.000,00 |
8.000.000,00 |
Imposto de Renda sobre Lucro |
-340.000,00 |
-2.720.000,00 |
(=) Resultado do Exercício |
660.000,00 |
5.280.000,00 |
Como vimos anteriormente, em face da prescrição, do valor de 8 milhões de reais registrados no balanço a título de saldo credor acumulado de ICMS, neste exemplo se torna possível o pedido de apenas 5 milhões.
Na planilha abaixo vamos montar um demonstrativo de resultados do crédito acumulado objeto desta análise:
DRE
(+) Impostos A Recuperar
R$ |
% |
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Saldo Credor Acumulado do Imposto |
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(Imposto pago a maior nas compras e não compensado nas vendas) |
8.000.000,00 |
100,00 |
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(-) Impostos s/Lucro Gerados |
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IR e CSLL Gerados – em Face da Contabilização |
2.720.000,00 |
34,00 |
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(=) Resultado líquido crédito após constituição contábil |
5.280.000,00 |
66,00 |
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(-) Parcela do Crédito Prescrita |
3.000.000,00 |
37,50 |
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(=) Recuperação Financeira Efetiva |
2.280.000,00 |
28,50 |
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Conclusão deste DRE:
Após o desconto do Imposto de Renda, necessário para constituí-lo, bem como o período prescrito, a monetização efetiva do ICMS a recuperar corresponderá a apenas 28,5% do seu valor nominal.
Já para aquela empresa cujo início da formação de saldo credor acumulado de ICMS, tenha se dado em período inferior a 60 meses, este o percentual de recuperação ficará na casa de 66% .
Demais Fatores Determinantes na Recuperação Efetiva do Saldo Credor de ICMS
Note-se que a recuperação efetiva do crédito acumulado irá depender da efetiva comprovação e aprovação da Fazenda Estadual, através de critérios próprios. Os percentuais aqui abordados como recuperação efetiva do crédito ficam sujeitos a estes critérios, os quais incluem, por exemplo os percentuais de índices a serem aplicados pela Fiscalização, denominamos IVA e PMC, no caso da modalidade simplificada ou dos critérios de custeio nos demais casos.
Não consideramos também o custo financeiro mensal, do desembolso de ICMS a maior, em outras palavras o saldo credor acumulado mensalmente, fruto do ICMS pago sobre as compras, os quais mensalmente originaram o saldo credor, objeto dos pedidos mensais de apropriação aqui mencionados.
Apesar da taxa de juros atual estar em patamares baixos, há de considerar em cada caso a taxa de juros praticada e existente a época da formação do saldo credor.
Síntese Conclusiva
O crédito acumulado de ICMS das empresas, nas situações em que o mesmo é transportado de um exercício fiscal para outro, passa a se constituir um elemento de significativo peso no fluxo de caixa.
A cada R$ 100 de crédito acumulado ocorre o desembolso de mais R$ 34 a título de impostos sobre o lucro em uma empresa optante pelo Lucro Real. Isto porque a contrapartida contábil da formação do ICMS a Recuperar (Ativo) vem a ser a diminuição do custo da mercadoria vendida, (Resultado) contribuindo assim para a formação do lucro fictício, enquanto não realizada a monetização deste saldo credor.
Para aquelas empresas em que esta situação do acúmulo do saldo credor acumulado do Imposto perdura por um período superior a cinco anos, este ônus aumenta, pois surge aí mais um elemento que é a parcela do crédito prescrita, sobre a qual também incidiu imposto de renda a época da sua formação.
Os pedidos de apropriação de crédito acumulado são processos administrativos que devem ser realizados por meios próprios, além da elaboração de petições, visando apresentar o correto enquadramento legal ao fisco.
A apresentação destes arquivos deve se dar individualizada, por cada período de apuração do imposto, nos termos do Artigo 6º da Portaria CAT 26/2010.
Logo, sabendo-se que os períodos de apuração do imposto são mensais, concluímos que a apresentação destes pedidos tem o mesmo tratamento das obrigações acessórias, e como tal podem ser efetuados mensalmente, sempre até o último dia seguinte ao mês da geração do saldo credor. Sob pena de, em não o fazendo incorrer nos prejuízos financeiros aqui demonstrados.
Ivo Ricardo Lozekam