No último domingo de outubro (30), a sociedade brasileira definiu o rumo do país para os próximos quatro anos. Com isso, acho importante trazer considerações de como um dos setores mais importantes do atual cenário econômico do país, de micro e pequenas empresas (MPEs), será impactado diante das propostas e medidas de governo que estão sendo discutidas.
Antes de mais nada, é preciso ressaltar a relevância desse segmento para a economia brasileira. Para se ter uma ideia, no primeiro semestre de 2022, o país criou 1,33 milhão de postos de trabalho formais. Destes, 961,2 mil, o que equivale a 72,1% do total, originaram-se desses pequenos negócios, de acordo com um levantamento do Sebrae, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. A título de comparação, o desempenho das MPEs é bastante superior ao das médias e grandes empresas, que abriram 279,1 mil vagas nos seis primeiros meses de 2022.
Tendo esse contexto em vista, é fundamental que exista um interesse mútuo entre os detentores do poder e dos CNPJs pelo crescimento do segmento dos pequenos e micronegócios. Dessa forma, acredito que existam diversos desafios que precisam fazer parte da pauta do presidenciável que tenha como objetivo aquecer a economia.
Desburocratização é o começo
O surgimento de um negócio cria elementos essenciais para a sociedade, como empregos, serviços ou produtos que podem melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, além de gerar arrecadação de impostos. Mesmo com todos esses benefícios, o contexto brasileiro acaba não facilitando o pontapé inicial desses novos CNPJs.
O Brasil está na 124ª colocação em relação à facilidade de abertura de novos negócios, segundo o ranking Doing Business. Essa posição se deve ao fato das rotinas burocráticas de cartórios, prefeituras, juntas comerciais e tribunais ainda serem feitas em uma base analógica e em sistemas pouco integrados. Com isso, mesmo tendo processos bem definidos, as etapas seguem desconexas, cheias de particularidades e com pouca transparência, o que dificulta a vida de quem está buscando se tornar uma pessoa jurídica.
Crédito, financiamento e renegociação de dívidas
Outro ponto de impacto pensando no discurso dos presidenciáveis para o setor são os financiamentos disponibilizados pelos bancos para esses tipos de empresas. Além de serem fundamentais para a criação de novos negócios, no caso de imprevistos, esses créditos são auxiliares importantes para a saúde das empresas e até mesmo para seu crescimento e expansão.
Aqui vale ressaltar o trabalho exercido pelo BNDES, que conta com uma parceria firmada com o Sebrae voltada para operações de crédito com microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, tornando-se muito útil para incentivar as etapas desses negócios.
Já a renegociação de dívidas é uma alternativa importante. Ter esse recurso à disposição acaba incentivando mais pessoas a se arriscarem em uma etapa de inovação ou até mesmo retomar empresas paradas, gerando mais valor e uma economia favorável para a sociedade como um todo.
Desafios estão postos na mesa
Além desses pontos mais evidentes, existem outros fatores essenciais que precisarão entrar na pauta do líder de governo no que diz respeito ao desenvolvimento das MPEs. Um exemplo é a necessidade de reavaliar as tributações, que sempre acabam afetando de forma mais significativa o trabalho do pequeno e médio empresário. É necessário simplificar a tributação e reduzir o número de declarações, a fim de contribuir para que esses negócios possam participar de uma disputa mais igualitária.
Dentro desse ponto, destaco os números da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAEs). Criado com o objetivo de melhorar a fiscalização do governo por meio da padronização dos códigos de atividades das empresas, esse sistema representa um reflexo direto da complexidade tributária do Brasil. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, o que existe é, basicamente, receita, despesa e lucro, sistema que garante maior flexibilidade para inovar e mudar a rota do negócio. Um país com diferentes tributos e tipos de declarações só desencadeia perdas de oportunidade para o empreendedor, que precisa levar em conta diversas declarações e um sistema burocrático
O sistema tributário do Brasil é muito complexo e com muitos anexos emendados, assim como um trabalho artesanal de patchwork, cheio de retalhos. Tal complexidade faz com que algumas pessoas ofertem a compreensão dessa burocracia como um serviço agregado, gerando muitos custos desnecessários que desincentivam o crescimento de micro e pequenas empresas.
É preciso, portanto, tornar os sistemas cada vez mais modernos e tecnológicos, simplificar exponencialmente a forma como as empresas são registradas, com a exigência de menos órgãos nesse processo, e também diminuir a carga tributária por meio de portais unificados para facilitar a jornada das pessoas jurídicas. Além disso, a ouvidoria desses órgãos deveria ser muito mais didática e transparente no auxílio aos pequenos empreendedores.
Por fim, preciso ressaltar que o Brasil conta com um setor público grande e não muito eficiente. Digo isso porque está bastante claro que várias das plataformas que o governo apresenta poderiam ter um melhor desempenho se desenvolvidas de maneira colaborativa com esse ecossistema de empreendedorismo e das startups. No geral, existe a necessidade de uma comunicação mais proativa por parte do governo, que se mostre atenta às demandas desse público, afinal, ele acaba empregando 60% da população com carteira assinada do país.
Evolução a curto prazo
A tecnologia aplicada à área de legalização está avançando rapidamente no setor privado. Nos próximos anos, veremos os mercados contábil e jurídico adotando cada vez mais softwares e canais para a integração entre plataformas privadas e dados de órgãos públicos para tornar mais ágil a automação de processos jurídicos, documentação de clientes e informações tributárias. Tudo isso irá reduzir drasticamente o tempo gasto com recursos manuais e repetitivos para gestão de diversos processos das empresas.
Com todos esses impactos expostos, é importante lembrarmos que o país gera frutos a partir das atividades econômicas. Enquanto a categoria proporciona receita, lucros e empregos, os serviços públicos devem garantir as melhores condições para reter e criar novos profissionais. A educação de qualidade dá os insumos necessários para os futuros talentos que irão se tornar os profissionais que o mercado precisa para gerar ainda mais receita e até mesmo conhecimento para quem deseja empreender.
O mais importante para o novo governante é atuar focado no desenvolvimento do ecossistema das pequenas e médias empresas com projetos voltados para empreendedorismo, serviços digitais e uso de novas tecnologias. Toda a relevância do setor deve ser priorizada nos projetos de governo.
Por: Miklos Grof, empresário e especialista em inovação e negócios com mais de 10 anos de mercado e com experiência em projetos globais.